Ação de diretor da Aneel causa incômodo no setor
Efrain Cruz pede em ofício à CCEE exceção em ritos comerciais para usinas da Âmbar Energia, o que contrariaria até mesmo regras de atuação da Aneel
03/08/2022

Valor Econômico - Um novo capítulo na novela envolvendo quatro usinas da Âmbar Energia, subsidiária do grupo J&F, e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) indica que o enredo ainda está longe do fim. O diretor da Aneel, Efrain Cruz, pediu à Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) que abrisse exceção à Âmbar no cumprimento de regras para medição e faturamento da energia das usinas EPP II, EPP IV, Edlux X e UTE Rio de Janeiro I, o que gerou estranheza em parte do mercado por não ser algo considerado usual no setor elétrico.

Todas as usinas devem seguir tais procedimentos a partir do momento em que estão aptas a comercializar energia. No entanto, estas usinas participaram de um leilão emergencial, uma das medidas contra a crise hídrica do ano passado, com o pior nível de chuvas verificado desde o início das medições, há 91 anos. Dada a urgência, foi autorizada a realização de um leilão com regras mais flexíveis, para agilizar a implantação e operação dessas usinas. A exceção visava facilitar a entrada em operação das térmicas, devido a dificuldades técnicas para o cumprimento de tais procedimentos.

Cruz foi o diretor-relator do processo sobre a substituição das quatro usinas pela usina termelétrica (UTE) Cuiabá - denominada Mário Covas - que também pertence à Âmbar Energia. O diretor afirmou no ofício que a intenção da diretoria colegiada foi comprovar que os quatro empreendimentos ficaram prontos e em condições de gerar. No entanto, segundo ele, essas usinas não são obrigadas a manter a condição de operação por 44 meses, prazo de contratação do leilão emergencial, cujo nome oficial é Procedimento Competitivo Simplificado (PCS).

Âmbar Energia afirma que concluiu obras em 21 de julho e aguarda autorização da Aneel para iniciar geração

Isso porque, destacou o diretor, como a Aneel autorizou que a UTE Mário Covas assumisse integralmente todas as obrigações comerciais dos quatro contratos, a usina deverá atender a todos os requisitos comerciais e regulatórios das outras térmicas. Segundo Cruz, em ofício ao qual o Valor teve acesso, “essa flexibilização é possível e atende aos requisitos do comando da decisão da Aneel”.

Procurada, a Âmbar Energia explicou que o ofício de Cruz obedece a uma lógica seguida pela agência ao conceder excepcionalidade para outra usina do leilão emergencial, a UTE Viana. Assim como as quatro vencedoras da Âmbar, que utilizam a infraestrutura da UTE Cuiabá, a UTE Viana I compartilha instalações com a UTE Viana. Dificuldades técnicas permitiram que a Aneel abrisse uma exceção na implantação do sistema de medição de Viana I, válida até dezembro de 2025.

De fato, os dois casos ensejam excepcionalidades. A diferença é que o rito para a UTE Viana 1 envolveu um processo administrativo, com parecer do diretor relator, no caso Hélvio Guerra, aprovado em decisão colegiada e oficializada por meio de um despacho assinado pelo diretor-geral - na ocasião, André Pepitone. No caso da Âmbar, e considerando o “timing”, já que o ofício foi apresentado por Cruz às vésperas do fim do prazo para operação comercial, a proposta é vista nos bastidores como um “jeitinho” para evitar a revogação das outorgas. A atuação do diretor, estaria, inclusive, contrariando regras para atuação da agência, que estabelecem decisões em caráter colegiado, segundo fontes a par do tema.

Procurado pelo Valor, Cruz não respondeu as mensagens. A Aneel também foi perguntada sobre o caso, mas não se pronunciou até o fechamento da edição.

A Âmbar Energia informou ao Valor que concluiu no dia 21 de julho as obras das usinas do PCS e disponibilizou os empreendimentos para operação comercial. A empresa afirmou ainda que pediu autorização para iniciar operação comercial e “aguarda definição das autoridades do setor”.

A troca das quatro usinas, que somam 343,8 megawatts (MW) de capacidade instalada, pela UTE Cuiabá, de 529 MW, foi aprovada pela Aneel em 12 de julho, por meio do despacho 1.872/2022, com a condição de que elas estivessem aptas a operar até 1º de agosto, prazo final para operação comercial das usinas vencedoras do PCS.

O edital determinava a contratação de novas usinas, com obrigação de iniciar operação comercial em 1º de maio. As que não estivessem aptas nesta data seriam penalizadas; as que não gerassem até 1º de agosto teriam outorga cancelada e sofreriam novas sanções. Na segunda-feira, a CCEE notificou onze das 17 usinas vencedoras, que não haviam iniciado operação.

Após a notificação, as empresas terão 15 dias úteis para regularizar as pendências. Após este prazo, caso não tenham conseguido solução, a CCEE tratará com a Aneel sobre a rescisão dos contratos do leilão. Ao Valor, a CCEE afirmou que está “em tratativas sobre o tema. Cruz está perto do fim do mandato, que encerra no próximo dia 20 de agosto, e não pode mais ser reconduzido.

Contrariando pareceres da área técnica da Aneel, Cruz concedeu em maio medida cautelar à Âmbar Energia, liberando a troca das quatro térmicas, que seriam instaladas no Rio de Janeiro. Com dificuldades no licenciamento ambiental, as unidades foram transferidas para um terreno contíguo à UTE Cuiabá, no Mato Grosso do Sul. Pelas regras do leilão, térmicas existentes eram vetadas de participar, como era o caso da UTE Cuiabá, que entrou em operação em abril de 1999.

No início de junho, a diretora-geral substituta da Aneel, Camila Figueiredo Bomfim Lopes, derrubou a medida cautelar, atendendo a recursos da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace) e do Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais (Pólis).

No dia 12 de julho, a diretoria da Aneel autorizou em definitivo a troca das usinas pela Âmbar Energia, mas a decisão não foi unânime e levou 16 dias para ser publicada no Diário Oficial da União (DOU). O despacho 1.872 só foi publicado na edição do DOU de 28 de julho.

Por Fábio Couto e Robson Rodrigues