Proposta do governo para GSF não atende geradoras
Incertezas quanto ao futuro do GSF podem impedir novos investimentos em geração de energia no país
24/08/2017

Valor- 18.08.2017 - A proposta do governo para solucionar a guerra judicial referente ao déficit hídrico (medido pelo fator GSF, na sigla em inglês) não deve ser suficiente para um acordo com os geradores hidrelétricos expostos ao problema, apurou o Valor. De acordo com executivos de três das maiores companhias envolvidas, apenas a retirada do despacho de termelétricas fora da ordem de mérito (conhecido no setor como GFOM) não é suficiente para que estes desistam das liminares, que já travam R$ 2 bilhões no mercado de curto prazo de energia. O deslocamento da energia de reserva, por exemplo, também deveria ser excluído da conta.

No total, o problema deve custar até R$ 50 bilhões ao setor neste ano, segundo especialistas. Parte significativa deste montante está sendo custeada pelos próprios consumidores de energia; outra parte está com os geradores, que são obrigados a vender menos do que poderiam para se proteger. Com isso, apesar de ficarem menos expostos, estão tendo uma redução importante das suas receitas.

Sem um acordo para acabar com a judicialização, o mercado livre de energia vai travar eventualmente. Mas os efeitos nocivos ao setor vão muito além disso, uma vez que as incertezas quanto ao futuro do GSF podem impedir novos investimentos em geração de energia no país.

Além da geração das termelétricas fora da ordem de mérito, a energia de reserva é outro problema

A China Three Gorges (CTG), por exemplo, que já desembolsou mais de R$ 15 bilhões nos últimos anos em aquisições no Brasil, se assustou com o tamanho do problema e está olhando com receio para novos negócios, apurou o Valor.

O GSF ocorre quando as hidrelétricas são obrigadas a gerar parcela menor que suas respectivas garantias físicas. Isso acontece por problemas hidrológicos, para que os reservatórios das usinas possam ser preservados na seca, mas há outros fatores que aumento o déficit.

Além da geração das termelétricas fora da ordem de mérito, a energia de reserva é outro problema. Apesar de contribuírem com energia limpa, quanto mais projetos de reserva (em sua maioria de fontes eólica, solar e biomassa) entram em operação, menor é o despacho das hidrelétricas.

Segundo o executivo de uma grande geradora hidrelétrica, o governo deveria excluir do déficit hídrico o deslocamento causado pelas fontes de energia de reserva, principalmente eólica, que têm prioridade no despacho do Sistema Interligado Nacional (SIN). "Não tem como os geradores hídricos continuarem bancando as eólicas e a energia de reserva", disse.

Segundo ele, quando foi proposto o leilão de energia de reserva, no governo anterior, a previsão era de que esse tipo de energia seria marginal na matriz brasileira. Naquela época, o governo decidiu incluir as eólicas nessa modalidade para servir de incentivo e seguro para viabilizar os investimentos do tipo. A projeção atual da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), porém, indica que essa fonte chegará a 9,8% do parque gerador do país em 2020.

Outro executivo de uma geradora hidrelétrica também entende que a energia de reserva deveria ser excluída do cálculo, mas admite que se trata de um ponto controverso no setor e que o governo poderá argumentar pela não exclusão. "A entrada de energia de reserva, principalmente intermitente, deslocou a hidrelétrica. Mas se não houvesse essa energia de reserva naquele momento também haveria uma energia mais cara [de termelétricas], que iria afetar o PLD e causar um impacto maior para as hídricas", afirmou.

Outro ponto que deveria ser considerado na conta é o atraso na implantação de linhas de transmissão responsáveis pela entrada em operação de projetos estruturantes, disse Julião Coelho, advogado com atuação no setor elétrico e ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Ele explicou que, durante a fase de motorização dessas grandes usinas, toda a garantia física está sendo considerada no sistema, ainda que elas não estejam gerando a energia. "A garantia física não reflete de fato a energia que elas oferecem para o sistema, e agrava o GSF", disse Coelho.

O problema da proposta na mesa para acabar com a judicialização, diz Coelho, é a dimensão econômica da compensação que as empresas terão caso desistam das liminares, que não foi vista como suficiente. Como o Tesouro não tem condições de fazer pagamentos, as companhias terão, como contrapartida, uma extensão de suas concessões. Os prazos estimados de extensão não correspondem ao que as companhias defendem que seria adequado.

A liberação da extensão das concessões depende da edição de uma lei. Por isso, a proposta está na consulta pública aberta pelo Ministério de Minas e Energia para rever o modelo do setor elétrico, que deve dar origem a uma Medida Provisória (MP).

Segundo uma fonte ligada ao governo, outro entrave a um acordo é a incerteza quanto à posição da Aneel sobre a regulamentação dessa MP, pois isso afeta como esse valor financeiro que será retirado do GSF vai se "traduzir" em prazos mais longos de concessão. "Há uma pressão grande para que seja imputada na Lei alguns parâmetros que limitem a atuação da agência nesse caso", disse a fonte.

A parte financeira é importante para convencer os agentes que têm liminares a desistir delas, mas o setor de energia hidrelétrica também tem ressalvas quanto ao tratamento futuro do GSF. A discussão do MME trata de resolver a judicialização, mas não se foca em resolver o problema no futuro.

Em teleconferência realizada na quarta-feira, o diretor financeiro da Cesp, Almir Martins, chamou a atenção para isso. Ele se queixou quanto ao déficit previsto para agosto, de 37,4%. "Não temos hedge para esse volume de GSF. Aliás, esse volume de GSF é incompreensível e difícil de ser suportado por qualquer empresa de geração hidráulica. Alguma coisa precisa ser feita", disse.

Por Camila Maia e Rodrigo Polito | De São Paulo e do Rio