Disputa por usinas vai exigir fôlego financeiro
O leilão envolverá quatro hidrelétricas da Cemog: São Simão, Miranda, Jaguara e Volta Grande
25/09/2017

Valor - 22.09.2017 - Enquanto a Cemig insiste na negociação de um acordo com a União para manter as concessões das quatro usinas hidrelétricas que foram devolvidas, o governo segue otimista com a realização do leilão na quarta-feira. A disputa, no entanto, estará restrita a grupos de grande porte. A outorga mínima pode render R$ 11 bilhões ao governo, caso todos os lotes sejam arrematados sem disputa.

O leilão envolverá as hidrelétricas São Simão, Miranda, Jaguara e Volta Grande. A estatal mineira, porém, ainda questiona na Justiça a devolução das três primeiras.

Até a última semana, o governo trabalhava com a possibilidade de participação de quatro grupos, sem mencionar os nomes. Não se sabe se a conta do governo inclui a própria Cemig e a mineradora Vale, que estuda participar do leilão em parceria com a estatal mineira, por meio da Aliança Geração de Energia. No mercado, comenta-se os nomes de grandes grupos do setor: a italiana Enel, a franco-belga Engie e a chinesa State Power Investment Corporation (SPIC).

No último mês, o presidente da Engie Brasil Energia (antiga Tractebel Energia), Eduardo Sattamini, afirmou ao Valor que a empresa tem interesse nos ativos, mesmo com a questão jurídica envolvida. "A hora que eles forem a leilão, pode haver questionamentos, mas ele [leilão] vai ser executado. E quem arrematar [as concessões] terá direito de operar", disse.

O presidente da Enel no Brasil, Carlo Zorzoli, contou ao Valor, também no fim de agosto, que a companhia olha todas as oportunidades de negócios no Brasil, mas não comenta situações específicas. "Olhamos todas as oportunidades, porém não podemos comentar nenhuma em específico", afirmou na ocasião.

A própria Cemig considera um "acordo" no qual pagará a outorga para garantir que ficará com os ativos, na parceria com a Vale ou com outros sócios. No entanto, a estatal mineira, que vem brigando na Justiça há cinco anos para manter as concessões, quer uma solução no qual não precise participar do leilão para ficar com pelo menos duas das usinas.

Em entrevista ao Valor, o diretor financeiro da Cemig, Adézio Lima, disse que a empresa, o Ministério do Planejamento e a Advocacia Geral da União (AGU) negociaram que apenas duas das quatro usinas seriam leiloadas: São Simão e Volta Grande, que somam 2.090 megawatts (MW) de potência e R$ 8,032 bilhões dos R$ 11 bilhões da outorga.

Pelo arranjo, segundo o diretor financeiro da Cemig, Miranda e Jaguara não entrariam no leilão. As concessões seriam asseguradas à Cemig em troca do pagamento da outorga. No caso da Miranda, o governo exige outorga de R$ 1,1 bilhão, e teria que indenizar a Cemig em R$ 1,060 bilhão, segundo o argumento da empresa. Haveria, então, um acerto de contas e a companhia entraria apenas com R$ 40 milhões para inteirar o valor da outorga e ficar com a usina.

No caso de Jaguara, o valor da outorga é de R$ 1,9 bilhão. Segundo Lima, a Cemig assinou uma operação de crédito com um banco estrangeiro que permitirá a empresa pagar o montante.

O Valor apurou com fontes do governo e da Cemig, porém, que não há nada fechado sobre esse acordo. Na noite de quarta-feira, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli derrubou um empecilho ao acordo, ao suspender uma decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) que impedia a União e a Cemig de negociarem um acordo.

Ainda assim, um acordo do tipo esbarraria no TCU. O entendimento do tribunal é que as concessões são da União, devendo, portanto, ser licitadas. A venda direta à Cemig implicaria em um benefício a um comprador. Além disso, no leilão, o governo tem a possibilidade de arrecadar um montante maior, no caso de haver concorrentes dispostos a pagar ágio.

Apesar da discussão judicial com relação à concessão das usinas e até mesmo sobre a realização do leilão, o advogado Maurício Santos, especialista em infraestrutura, petróleo e gás, energia e relações governamentais do escritório Souza Cescon, acredita que haverá disputa pelos ativos.

A visão é a mesma do coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel),da UFRJ, professor Nivalde de Castro. Para ele, os favoritos são empresas chinesas e a Engie, que possui um portfólio de geração expressivo no Brasil. A chinesa CTG e a Engie são os maiores geradores privados do país.

A explicação para o forte interesse dos compradores nas usinas é a combinação da ausência de risco de construção e a garantia de receita ao longo dos 30 anos de concessão. Pelo edital, 70% da garantia física das usinas será contratada no regime de cotas de garantia física e potência. Os outros 30% poderão ser negociados no mercado livre ou objeto de contratos bilaterais.

Para a fatia no regime de cotas, o risco hidrológico (medido pelo fator GSF, na sigla em inglês) é totalmente alocado com os consumidores, o que torna as condições do leilão ainda mais atrativas.

Por Rodrigo Polito, Camila Maia e Marcos de Moura e Souza