Eletrobras enfrenta obstáculos na venda de distribuidoras
Privatização das distribuidoras faz parte da reestruturação da estatal comandada pelo presidente Wilson Ferreira Jr.
09/01/2018

Valor - O endividamento das distribuidoras da Eletrobras colocou a companhia em um impasse, que pode fazer com que apenas parte das seis concessionárias tenha sucesso na privatização. O conselho de administração da estatal recomendou que a holding não assuma os eventuais créditos ou débitos das distribuidoras da companhia com relação a fundos de encargos setoriais, no processo de privatização dessas concessionárias. Para uma fonte com conhecimento do assunto, caso os acionistas da empresa acatem a recomendação, a medida pode inviabilizar o processo de privatização de parte das empresas, que ficam localizadas no Norte e Nordeste.

A Eletrobras entende que suas distribuidoras têm a receber R$ 8,5 bilhões em créditos do fundo setorial Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). O problema é que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) não reconhece esses créditos e ainda indica que as distribuidoras têm um passivo de cerca de R$ 4 bilhões com o fundo setorial. Como os créditos já estão nos balanços das distribuidoras, isso teria um efeito contábil negativo de mais de R$ 12 bilhões nas contas da companhia.

Para mitigar esse risco, o conselho de administração recomendou, na proposta da assembleia geral extraordinária (AGE) convocada para 8 de fevereiro, que os pontos que tratam da assunção desses créditos (ou débitos) junto aos fundos setoriais pela holding não sejam aprovados. Se isso acontecer, o risco ficará com as distribuidoras.

Pela modelagem de privatização das distribuidoras proposta em resolução do Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (CPPI), a Eletrobras assumiria, além de dívidas reconhecidas das distribuidoras no valor de R$ 11,2 bilhões, qualquer crédito ou débito referente aos encargos setoriais até a data de transferência do controle das empresas.

Segundo outra fonte com conhecimento do assunto, boa parte dos créditos que a Eletrobras entende ter a receber será materializada pela Medida Provisória (MP) 814, publicada em 29 de dezembro do ano passado. Com base nisso, a companhia deve avaliar a decisão de privatizar ou liquidar separadamente cada distribuidora. Caso todos os créditos sejam materializados, a melhor alternativa será privatizar todas as empresas. Se o entendimento da Aneel de que se tratam na verdade de débitos prevalecer, a conta poderá ser feita para cada distribuidora.

Na prática, a medida pode resultar em uma decisão da Eletrobras de vender algumas das distribuidoras, com situação financeira equacionada, e liquidar outras, mais complexas.

Estatal pode optar pela liquidação das concessionárias, mas recomendação ainda é pela venda das empresas

A pior delas é a Amazonas Energia. Dos R$ 11,2 bilhões em dívidas das concessionárias que serão assumidas pela holding, R$ 8,9 bilhões se referem à ela. Além disso, a companhia têm registrados em seu balanço R$ 4,05 bilhões em créditos da CDE, mas a Aneel avalia que a companhia tem de devolver R$ 2,9 bilhões. A Ceron, de Rondônia, é outra em situação complicada, com R$ 1,8 bilhão em dívidas que a holding vai absorver. A empresa pode ainda precisar devolver R$ 731,5 milhões à CDE, quando seu balanço registra o crédito de R$ 3,8 bilhões.

Apesar da recomendação da não assunção de créditos ou débitos da CDE, o conselho de administração da Eletrobras propõe que os acionistas aprovem a venda das distribuidoras. Segundo o colegiado, a venda "é a [alternativa] que se apresenta menos onerosa para a companhia". O processo de venda das concessionárias é visto também como fundamental para a privatização da holding.

Na proposta, o conselho ressaltou ainda que, caso as distribuidoras não sejam vendidas, a outra opção é a liquidação dessas empresas em 31 de julho, o que levará a holding a "arcar, ao menos a curto e médio prazo com o custo relevante de eventual liquidação das distribuidoras, o que não seria suportável pelas condições econômicas e financeiras atuais da Eletrobras".

Apesar do risco de perdas com uma eventual liquidação, o conselho recomenda que os acionistas aprovem o fim das distribuidoras que não tenham sido vendidas no primeiro semestre deste ano. "Caso não se tenha sucesso na privatização de uma ou mais distribuidoras, a Eletrobras não pode ficar eternamente suportando as referidas companhias, sendo mais favorável sua liquidação", completou o conselho na proposta.

Segundo uma fonte, a administração da Eletrobras está tentando chegar a um desenho que permita a venda das concessionárias sem aumentar consideravelmente seu endividamento. "O conselho poderá dosar o montante de dívida que ficará nas companhias para garantir a privatização. Se errarem na mão, não conseguem privatizar", explicou.

O Valor apurou que a estatal chegou a pensar em desistir da venda das concessionárias, optando, no lugar, pela liquidação das empresas. Pelos cálculos da companhia, isso envolveria custos da ordem de R$ 17 bilhões. "Houve uma visão de que uma liquidação das distribuidoras poderia ser um bom caminho, porque, segundo algumas interpretações, o prejuízo poderia ser da União", disse a fonte.

No entanto, pareceres técnicos da Procuradoria Geral da República (PGR) e da Advocacia Geral da União (AGU) descartaram essa possibilidade, levando à empresa a voltar a pensar na privatização.

Por Rodrigo Polito e Camila Maia

Elena Landau vê privatização 'muito difícil' da estatal neste ano

A privatização da Eletrobras é "muito difícil" de ocorrer ainda neste ano, segundo a economista Elena Landau, que vê um cenário politicamente contaminado e falta de comando no governo para avançar com o assunto. "Perdemos o momento favorável", avalia a ex-presidente do conselho de administração da estatal.

Para ela, tudo indica que a transferência de controle acionário ao setor privado - por meio de um aumento de capital sem a participação da União - ficará para 2019. "Não quero dizer que acabou, já fizemos privatizações até em ano eleitoral, mas acho muito difícil", afirma Elena, referindo-se ao leilão do Sistema Telebrás, realizado em julho de 1998 e do qual participou ativamente como diretora do BNDES.

"Há uma diferença crucial: todas as privatizações dos anos 90 foram feitas com base em uma única lei [do Programa Nacional de Desestatização]. O presidente precisava apenas de um decreto para cada empresa porque havia uma legislação guarda-chuva", compara a economista. Agora, na sua visão, o ambiente político está contaminado: tem pela frente a votação da medida provisória sobre o risco hidrológico (MP 814), a reforma da Previdência, troca de ministros e o início da campanha eleitoral. "Além disso, o Congresso é muito mais fisiológico e fragmentado do que na década de 90", acrescenta Elena.

Para a ex-presidente do conselho, o atraso na privatização da Eletrobras é resultado de três pressões distintas - uma previsível, uma imprevisível e outra surpreendente. O que era previsível: a resistência de políticos interessados em manter seus feudos na estatal e corporações alinhadas a eles, mas sem o preparo do governo para essa "guerra da propaganda". Imprevisível: não há um comando unificado e forte o suficiente para tocar a privatização, que poderia ser a secretaria do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), sob a chefia do ministro Moreira Franco. E um fator surpreendente: não houve compreensão, na área técnica e especialmente na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), sobre a urgência do processo.

"Há falta de governança hoje na privatização. Não é uma operação de mercado como outra qualquer. Precisa de determinação. Você tem que saber que vai deixar inimigos no meio do caminho", afirma. Elena elogia a atuação do ministro Fernando Coelho Filho (Minas e Energia), mas critica a falta de engajamento do presidente do BNDES, Paulo Rabello de Castro. "Precisa de alguém dando a palavra final."

A economista recomenda o voto pela liquidação das seis distribuidoras de energia administradas pela Eletrobras na próxima assembleia de acionistas da estatal. Essa não é a "solução ideal", mas "uma resposta ao jogo de empurra" em torno da venda.

"O boicote à privatização das distribuidoras é antigo. Tem que parar com esse jogo de que a Eletrobras topa tudo", opina Elena, que vê como prazo máximo para a venda o fim de abril. Na assembleia extraordinária, marcada para 8 de fevereiro, o leilão das distribuidoras será discutido pelos acionistas. Um ponto fundamental é o risco envolvendo valores bilionários da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). A Eletrobras acredita ter R$ 8,5 bilhões em créditos a receber; a Aneel entende que a estatal deve restituir R$ 4 bilhões por montante apropriado dos fundos setoriais entre 2009 e 2016.

Por Daniel Rittner