Os custos socioambientais nos empreendimentos do setor elétrico
Artigo - Instituto Acende Brasil
11/05/2018

CanalEnergia - 07.05.2018 - A preservação do meio ambiente passou a integrar as discussões sobre temas econômicos à medida que a sustentabilidade foi reconhecida como um valor relevante para a sociedade. No início da década de 1980, a Lei 6.938 instituiu a Política Nacional de Meio Ambiente, que estabeleceu a obrigatoriedade do licenciamento ambiental de atividades poluidoras ou utilizadoras de recursos naturais no Brasil.

A partir dessa lei, a avaliação de impactos passou a fazer parte do ordenamento jurídico do país, implicando a necessidade de adequação do processo de implementação dos empreendimentos alcançados por ela.

No âmbito do setor elétrico, mais especificamente nos segmentos de geração e transmissão, as respostas às demandas socioambientais surgidas se traduziram na criação de fóruns para debater os impactos decorrentes das atividades setoriais e propor alternativas para mitigá-los ou compensá-los.

Esses impactos somente passaram a ser tratados como uma política ambiental estruturada a partir da elaboração, pela Eletrobras, do II Plano Diretor de Meio Ambiente do Setor Elétrico em 1991 (II PDMA), que apresenta e discute alternativas para promover o tratamento adequado das demandas socioambientais que envolve o planejamento do setor elétrico.

A estrutura que orienta a implantação de empreendimentos do setor elétrico conta com dois mecanismos que possibilitam o planejamento e registro dos custos decorrentes das atividades de gestão dos impactos relacionados a projetos de geração e transmissão de eletricidade: o Orçamento Padrão Eletrobras (OPE) e o Manual de Contabilidade do Setor Elétrico (MCSE).

O OPE tem o objetivo de orçar os investimentos relativos a determinado empreendimento ainda na sua fase de viabilidade, enquanto o MCSE tem a finalidade de aferir e registrar os gastos efetivamente realizados durante a construção e operação dos empreendimentos.

Apesar de todo o aparato acima descrito, os custos socioambientais de empreendimentos do setor elétrico têm apresentado significativo aumento nas últimas décadas. Em 2005, um levantamento elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), abrangendo 17 UHEs, identificou que os custos socioambientais destes empreendimentos variavam entre 2,1% e 36,7% do custo total de investimento.

Um outro estudo do Banco Mundial em 2008 avaliou o OPE de 36 UHEs planejadas na década de 1990 e verificou que os custos socioambientais representavam, em média, 12,3% do custo total dos empreendimentos. Outros pesquisadores analisaram, em 2010, o OPE de 19 UHEs e identificaram que a parcela dos custos socioambientais correspondia, em média, a 9,7% do custo total dos empreendimentos.

O recém publicado White Paper nº 19 – Custos Socioambientais: Tendências, Ferramentas e Responsabilidades (disponível em www.acendebrasil.com.br/estudos), elaborado pelo Instituto Acende Brasil – analisou as contas dos OPEs de 54 usinas hidrelétricas: 14 planejadas na década de 1990, 34 na década de 2000 e seis na década de 2010. Concluiu-se que as ações de prevenção, mitigação e compensação de impactos já correspondem, em média, a 20% do valor total dos aportes financeiros realizados, um salto significativo em relação aos 6% observados na década de 1990.

O OPE foi desenvolvido para usinas e linhas de transmissão na década de 1970, período em que o setor elétrico era predominantemente operado por empresas estatais. Na década de 1990 houve uma ampliação na participação de investidores privados no setor elétrico, que passaram a competir entre si e as empresas estatais pelo direito de explorar economicamente projetos dos segmentos de transmissão e geração, reduzindo assim o uso do OPE.

Apesar da diminuição do uso do OPE, ele continua sendo empregado para estimar os custos socioambientais de UHEs, que são divulgados com outras informações do projeto antes da licitação destes empreendimentos, servindo como subsídios para que os investidores possam incorporá-los ao cálculo do preço da energia a ser ofertado nos leilões. No entanto, os orçamentos desses custos são vistos com ressalva pelos empreendedores que, em geral, não os consideram precisos para sua análise de investimentos. Em função disto, orçamentos socioambientais independentes costumam ser elaborados pelos grupos interessados em determinada usina para complementar as informações geradas a partir do OPE.

O OPE também não possui mais função no processo de implementação de Linhas de Transmissão (LTs). A “Receita Anual Permitida” (RAP) reflete a receita anual que o investidor está autorizado a receber para remunerar o seu investimento durante o período de concessão. Vence o leilão de concessão a empresa ou consórcio capaz de estruturar seu negócio com base na menor RAP e o cálculo da “RAP máxima” feito pela Aneel utiliza como base o “Banco de Preços de Referência”, uma compilação dos custos envolvidos na construção de LTs. A previsão dos custos socioambientais não utiliza o OPE e é definida como um percentual fixo, equivalente a 1,25%, do investimento total do empreendimento.

A fim de retomar a importância do OPE para o setor elétrico e representar efetivamente o que são os custos socioambientais dos empreendimentos, o White Paper nº 19 do Instituto Acende Brasil recomenda uma revisão na sua estrutura, incluindo a retirada de duas categorias que não têm relação direta com a prevenção, mitigação e compensação de impactos socioambientais.

A primeira é a categoria “Aquisição de terreno e benfeitorias”, que abrange a compra de terras e benfeitorias para a formação de reservatórios, canteiros de obras e áreas afins, além de despesas legais para estas aquisições. A segunda categoria a ser removida da estrutura do OPE é “Relocações”, que abrange a reposição de rodovias, pontes, estradas de ferro, ancoradouros de balsa, linhas de transmissão e de telefone atingidas pelos empreendimentos.

Se essas duas categorias forem retiradas dos custos socioambientais haverá a redução da participação dos custos socioambientais de 20% para 13% no custo total dos empreendimentos, uma diferença de 35%.

Custos que extrapolam a estrutura orçamentária prevista no OPE e recomendações para resolver essa situação

O processo de implementação de projetos do setor elétrico, em especial o de hidrelétricas (UHEs), está em constante evolução. Além da revisão dos instrumentos legais que regulam a atividade e da criação de novas normas, o posicionamento de agentes intervenientes na avaliação da viabilidade socioambiental dos projetos – órgãos participantes do licenciamento ambiental e o Ministério Público, por exemplo – pode variar de acordo com conjunturas pouco claras e intempestivas.

Como resultado, observa-se o descompasso entre o valor lançado no Orçamento Padrão Eletrobras (OPE) e os custos socioambientais observados durante o período de implementação dos projetos.

Além dos custos socioambientais, decorrentes dos programas de redução dos impactos provocados pelos empreendimentos, duas categorias de custos extrapolam a estrutura orçamentária prevista no OPE.

A primeira é a que tem origem nos atrasos durante o processo de licenciamento ambiental. A segunda diz respeito ao impacto de demandas do órgão licenciador e do Ministério Público que excedem os impactos provocados pelo empreendimento e são incorporados ao processo de licenciamento ambiental.

Além dos atrasos decorrentes da análise dos estudos ambientais por parte do órgão ambiental, as ações civis públicas (ACPs), instrumentos legais concebidos para ampliar a proteção ao bem comum, têm sido largamente utilizadas pelo Ministério Público como ferramenta para intervir no processo de licenciamento ambiental.

É notório que o desenvolvimento de empreendimentos do setor elétrico tem sido interrompido devido a intervenções desta natureza. Essas intervenções têm impacto relevante, uma vez que cerca de 60% dos pedidos de liminar solicitando paralisação de obras são acolhidos pela Justiça, segundo levantamento do impacto de ACPs sobre o cronograma de implementação de grandes empreendimentos realizado pela Fundação Getúlio Vargas.

Os atrasos no licenciamento ambiental não apenas geram impactos sobre o empreendedor responsável pelo desenvolvimento de um projeto, mas também afetam todo o setor elétrico de uma forma mais ampla, incluindo os consumidores de eletricidade.

O conteúdo das condicionantes que extrapolam aos procedimentos de licenciamento ambiental, em geral, diz respeito a ações que deveriam ser conduzidas pelo poder público.

Neste sentido, elas representam um desvio de função do licenciamento ambiental que, nessas situações, passa a ser utilizado como um instrumento de transferência da responsabilidade pública para a iniciativa privada.

Os mecanismos oficiais de contabilidade do setor elétrico não são capazes de capturar de forma adequada o impacto econômico-financeiro dos atrasos do licenciamento ambiental e das condicionantes que extrapolam os impactos socioambientais e econômicos dos projetos.

Esta lacuna impede que os efeitos negativos destes fatores sejam claramente conhecidos e atribuídos aos seus responsáveis. Além disso, tal lacuna limita o debate sobre alternativas de ampliação da eficiência dos investimentos no setor elétrico, uma vez que as informações sobre os impactos dos custos socioambientais não contabilizados ficam restritas aos agentes diretamente responsáveis pela implementação de seus projetos e não são comunicadas à sociedade de forma transparente.

A fim de lidar com a relação aparentemente paradoxal entre os crescentes custos socioambientais e a persistente imprevisibilidade do processo de licenciamento ambiental de projetos do setor elétrico, recomenda-se identificar e expurgar do processo de licenciamento de empreendimentos do setor elétrico questões que, mesmo não pertencendo à esfera socioambiental, têm provocado aumento de custos e judicialização.

A proteção socioambiental e a preservação dos recursos naturais têm integrado o rol de prioridades do setor elétrico. No entanto, as iniciativas estruturadas para atender a este objetivo geram custos para os projetos de geração e transmissão de eletricidade que, no longo prazo, tendem a ser repassados à tarifa paga pelo consumidor.

Portanto, se for verdade que os custos socioambientais discutidos neste artigo representam investimentos que respondem a anseios da sociedade, esta mesma sociedade precisa estar ciente de que os recursos – financeiros e humanos – que viabilizam as respostas a tais anseios são por ela financiados na figura do usuário de eletricidade.

A legislação ambiental brasileira é moderna e há inúmeras instituições que atuam no processo de licenciamento ambiental. Entretanto, as interferências a partir de certas instituições e atores são crescentes e têm levado ao aumento da incerteza e dos custos.

Diante dessa constatação, é necessária a discussão sobre os limites dos papeis das instituições e atores e a responsabilização de certas iniciativas que não medem as consequências de suas ações. Mesmo porque não são estes atores que depois assumem a conta dos atrasos, dos sobre custos desnecessários e das ineficiências por eles incorporadas ao licenciamento ambiental e à própria operação dos ativos do setor elétrico.

O recém publicado White Paper nº 19 – Custos Socioambientais: Tendências, Ferramentas e Responsabilidades, elaborado pelo Instituto Acende Brasil, traz uma série de reflexões e propostas sobre o tema.

Claudio Sales e Alexandre Uhlig são do Instituto Acende Brasil (www.acendebrasil.com.br)