Caducidade da MP 814 é ruim para o setor, afirmam agentes
Solução para as distribuidoras da Eletrobras e débitos referentes ao GSF são apontados como as maiores perdas que o vencimento da medida trará ao Brasil
30/05/2018

CanalEnergia - 25.05.2018 - A decisão do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de não colocar para votação a MP 814 frustrou a expectativa de grande parte do setor elétrico. No texto, além das emendas conhecidas popularmente como jabutis, havia pontos importantes para solucionar questões como o risco hidrológico e destravar R$ 7 bilhões que estão parados na liquidação ×nanceira do mercado de curto prazo, o endereçamento dos pontos relacionados à venda das distribuidoras da Eletrobras, bem como os estudos para a venda da estatal, entre outros. Agora a dúvida é como ficarão esses pontos ainda mais diante da proximidade de eventos como a Copa do Mundo, Festa de São João e, finalmente, as eleições.

A declaração de Maia foi dada horas antes de iniciar a 15a edição do Encontro Nacional do Setor Elétrico que ocorreu em 23 e 24 de maio, no Rio de Janeiro. E o assunto permeou as discussões do primeiro dia do evento político regulatório. Essa decisão do parlamentar foi lamentada, pois representava o primeiro indicador de mudanças do setor por tratar de assuntos mais urgentes como o GSF e começava a preparar terreno para as próximas a vir com o PL 1917, da portabilidade da conta de luz, da privatização da Eletrobras e, mais profundamente, da reforma do setor elétrico.

Contudo, a decisão de tirar a MP da pauta e assim destravar o caminho para outras que estavam vindo atrás dessa. Acontece que, lembrou o presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Junior, houve o acréscimo de pontos que levariam a impactos tarifários que deixaram congressistas desconfortáveis com a situação. E que tirar da pauta o tema foi algo compreensível para o atual momento do setor elétrico.

Outro que considerou essa decisão esperada foi o presidente da Abraceel, Reginaldo Medeiros. Ele, assim como o executivo da Eletrobras, relatou à Agência CanalEnergia que havia um certo desconforto dos parlamentares, principalmente, daqueles mais reticentes quando o assunto foi direcionado para ações que culminariam em aumento de preços da energia por conta de ‘inovações’ introduzidas no texto pelo deputado Júlio Lopes. “Muitos parlamentares perceberam o impacto na tarifa e já era perceptível que havia esse clima de pressão na Câmara. Eu já descon×ava de que algo semelhante [a deixar vencer a MP] poderia acontece, não foi surpresa, pois é difícil aprovar qualquer coisa nesse sentido”, disse ele.

Por sua vez, Guilherme Velho, presidente executivo da Apine, já considerava a retirada da pauta como uma obviedade diante do volume de emendas apresentadas ao texto original. Acontece que é necessário que haja uma alternativa substituta ou na própria CP 33 para endereçar o tema do GSF que acumula R$ 7 bilhões em aberto na liquidação ×nanceira do mercado de curto prazo. “Precisamos equacionar essa questão por duas razões, a primeira é que é um direito inquestionável do gerador e cria as condições para a repactuação desses débitos para assim destravar o mercado e a segunda é reconhecer que é direito dos geradores hidrelétricos não serem penalizados por problemas não hidrológicos, pois isso quebra a lógica do negócio. Perder a resolução do GSF foi a maior perda de não ter a 814 aprovada, mas vamos ver qual pode ser a alternativa”, apontou ele.

Essa busca pela alternativa à MP 814 foi apontada pelo presidente do Fase, Mário Menel, ainda na abertura da edição 2018 do Enase. Ele concorda com o executivo da Apine e aponta o GSF como a prioridade mais urgente do setor elétrico. Uma das alternativas poderia ser a retirada dos demais temas da própria MP 814 para votar essa proposta até a data de seu vencimento, 1o de junho, na prática, 30 de maio por conta do feriado prolongado ao ×nal da próxima semana.

A avaliação do economista e presidente da America Energia, Andrew Storfer, é de que o fator de perda da validade da MP 814 representa um sinal negativo para o mercado. Segundo ele, na prática o país perde economicamente e em termos de eficiência por conta da possível paralisação de venda das distribuidoras da Eletrobras e da solução para o GSF. E ainda é um viés negativo para aqueles que querem um setor mais moderno bem como para os investidores. “Apesar disso con×ança ainda não foi perdida, pois essa modernização do setor não ocorreu agora, mas acontecerá em algum momento”, disse o executivo.

Uma das formas de evitar a inclusão dessas emendas, muitas negativas e indesejadas para a matéria principal de um determinado projeto, era a de atribuir mais transparência ao processo legislativo. Até porque, lembrou, nem sempre as emendas podem ser negativas há aquelas que direcionam questões positivas.

O próprio presidente da Eletrobras comentou que apesar da notícia ter atordoado a empresa é preciso olhar para o futuro. Em sua avaliação mudanças como essas são boas e dão a perspectiva de que se está a fazer algo que deve ser feito em termos de legislação por parte do lado político. Ainda mais em um momento e que se discute não só o curto prazo, mas o futuro do setor elétrico e a sua construção para as próximas gerações. “Contudo, só não podemos ignorar as coisas que acontecem no meio do caminho para essa modernização”, advertiu.

Opções jurídicas - Segundo o sócio Rodrigo Machado, do escritório Madrona Advogados, a questão das distribuidoras da Eletrobras apresenta grande complexidade. O primeiro ponto é a manutenção do serviço relacionado ao atendimento dos consumidores dos estados em que a empresa atua como designada. Nesse caso a autorização da Eletrobras vale até 31 de julho e depois a estatal não ×caria mais responsável, o que levaria no processo natural das coisas à liquidação das distribuidoras. O presidente da empresa,

Wilson Ferreira Júnior, disse ontem que essa é a pior alternativa. Contudo, disse Machado, uma solução para esse caso seria a publicação de uma medida provisória prorrogando a delegação dessa operação já que segundo as regras do setor elétrico, na falta de uma concessionária, a União tem o poder de delegar essa operação a uma nova empresa até novo processo licitatório. O que é mais complexo no caso das distribuidoras, comentou ele, a questão das dívidas dessas empresa pode levantar uma discussão sobre a geração de valor para minoritários ao elevar esses débitos para a União.

“A questão da privatização não trouxe novidade porque a sensação era a de que não sairia mesmo esse assunto”, acrescentou. Agora outra preocupação de mais curto prazo é com o GSF e nesse caso, ou o governo edita uma nova MP especificamente sobre o assunto ou vai atrás do STJ para buscar derrubar as ações que estão segurando os valores. “Esse é um ponto importante para o mercado livre, precisa que seja resolvido senão ele quebra”, analisou.

Daniel do Valle, advogado do escritório ASBZ, lembrou que a edição de nova MP pode também criar um problema legal, pois não é mais permitido editar medidas sobre o mesmo tema por se con×gurar em um governo por meio de MPs. Isso poderia levantar um questionamento jurídico quanto à constitucionalidade de edição de novas MPs. Mas, concorda que pode ser um saída para que questões como a das distribuidoras tenham solução. Uma coisa é certa, por projeto de lei é que não há chances de que os temas da MP 814 possam entrar em vigor ainda este ano.

Por Maurício Godoy