Eletrobras ganha base legal para cobrar perdas
Privatização viabilizaria investimentos nas subsidiárias
18/07/2018

O governo publicou ontem uma portaria garantindo a "neutralidade econômica" da operação das distribuidoras para a Eletrobras até o fim do ano, dando segurança jurídica para que os acionistas da estatal aprovem a extensão do prazo de "designação" das concessionárias. Isso quer dizer que as perdas que a estatal venha a sofrer com a prorrogação do processo de privatização de suas subsidiárias até o fim de 2018 serão cobertas pela União. A conta, eventualmente, poderá ser repassada ao consumidor, no futuro. Uma assembleia geral extraordinária (AGE) foi convocada para 30 de julho, na qual o assunto será votado pelos acionistas.

Esse foi o primeiro ato legal do governo a considerar a hipótese de liquidação das seis distribuidoras operadas hoje pela Eletrobras, mas que foram devolvidas pela companhia à União em meados de 2016. Desde então, a estatal tem administrado as concessionárias como operadora "designada", recebendo remuneração para isso via tarifa e encargos setoriais. Os montantes recebidos, no entanto, são insuficientes para cobrir os custos, o que reforçaria o argumento de que a companhia poderia não aprovar a extensão do prazo, que vence em 31 de julho, para até o fim deste ano.

A portaria número 301/2018 do Ministério de Minas e Energia estabeleceu condições de tratamento e reconhecimento de despesas das distribuidoras da Eletrobras até 31 de dezembro deste ano, no caso de elas serem liquidadas depois de 31 de julho.

Ao garantir a neutralidade econômica da operação, a portaria reforça a posição da estatal de cobrar da União ressarcimento pelas perdas sofridas com as distribuidoras desde julho de 2016. Quando a Eletrobras aceitou continuar administrando as distribuidoras, em 2016, recebeu a mesma garantia do governo. No fim do ano passado, quando aceitou prorrogar o prazo de designação, de dezembro de 2017 para julho deste ano, houve outra portaria semelhante.

O Valor apurou que essas portarias vão ajudar a embasar o futuro pedido de ressarcimento que deve ser apresentado pela companhia à União quando devolver as concessões definitivamente. Entre julho de 2016 e março deste ano, a Eletrobras apurou perdas de R$ 5 bilhões com a gestão das distribuidoras. O total deve ser cobrado da União, pois a companhia não pode ser obrigada a registrar perdas por concessões que não são suas.

O presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Junior, tem sido um defensor da privatização das concessionárias justamente pela situação precária em que se encontram, uma vez que a estatal - ainda muito endividada - não é capaz de fazer os investimentos necessários. Em entrevista recente ao Valor, o executivo disse que a privatização poderá viabilizar "os investimentos necessários para aumentar a qualidade do serviço, a manutenção de empregos com aumento de eficiência, e a redução de perdas"

Com a portaria, o governo dá um sinal para o setor de que está atento ao problema da potencial liquidação das distribuidoras. Nas últimas semanas, agentes do setor têm demonstrado preocupação com o vácuo regulatório existente, na hipótese de liquidação das seis distribuidoras da estatal. Isso porque, em tese, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) não tem poder de intervenção nessas empresas, pois elas já não são mais concessionárias. O caso, portanto, é da alçada do ministério.

Ao garantir a neutralidade das despesas das distribuidoras em caso de liquidação, a portaria abre a possibilidade, inclusive, de que a Aneel possa licitar às pressas uma nova concessão para cada uma delas. A hipótese da licitação foi informada na última sexta-feira pelo Valor PRO, serviço de informações em tempo real do Valor.

Até então descartada, a liquidação tem se tornado uma hipótese real, com a baixa sinalização para a privatização das distribuidoras. A venda dessas empresas tem se mostrado mais difícil devido à não aprovação pelo Senado do projeto de lei que viabiliza financeiramente as distribuidoras do Norte, principalmente Amazonas Energia (AM) e Boa Vista Energia (RR), e às liminares em diferentes instâncias da Justiça que impedem o leilão delas, marcado para 26 de julho

A Eletrobras deve definir na AGE do fim do mês se estende o prazo de operação dessas distribuidoras até o fim do ano ou se liquida as companhias em agosto.

Não há definição clara dos impactos relativos à liquidação. Segundo cálculos da Eletrobras, a liquidação pode resultar em custos de cerca de R$ 22 bilhões. A devolução dessas empresas para a União pode ainda desencadear uma nova onda de judicialização devido aos custos estimados. A empresa e os acionistas minoritários poderiam acionar a União para reaver perdas decorrentes da gestão das empresas. No setor, também se menciona a preocupação com o fato de não haver plano de emergência pelo governo no cenário de liquidação.

Por Rodrigo Polito, Camila Maia e Rafael Bitencourt