Com lance único, Equatorial leva distribuidora da Eletrobras no PI
O governo garantiu a venda de mais um ativo deficitário e a operação vai possibilitar um ganho de R$ 95 milhões para o Tesouro pela outorga
27/07/2018

Valor - Referência no setor elétrico pela recuperação de distribuidoras deficitárias, a Equatorial Energia arrematou ontem a concessão da Cepisa, distribuidora de energia do Piauí, no leilão de privatização realizado pelo BNDES e pela Eletrobras. Apesar de ser a única habilitada para o certame, a companhia deu um lance na qual abriu mão de toda a chamada "flexibilização" tarifária aprovada ano passado para equilibrar a concessão da distribuidora piauiense.

Para o governo, a vitória foi expressiva. Além de garantir a venda de mais um ativo deficitário da Eletrobras, a operação vai possibilitar um ganho de R$ 95 milhões para o Tesouro por meio da cobrança da outorga, redução das tarifas em cerca de 8,5%, e garantir investimentos de no mínimo R$ 720 milhões na distribuidora, possibilitando a melhora da qualidade do serviço prestado.

O resultado do certame foi "a prova cabal" do sucesso das privatizações, disse ontem o presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Junior. Em entrevista coletiva concedida ao fim do leilão, o executivo citou as consequências da operação que, segundo ele, "só tem vantagens".

Com a aquisição, a Equatorial vai aumentar sua base de clientes em 25,19%, totalizando 6,296 milhões de unidades consumidoras. O mercado de energia da companhia vai crescer 25,26%, saindo de 13.474 gigawatts-hora (GWh) anuais para 16.878 GWh, considerando dados de 2017.

Além disso, a companhia estima que poderá adicionar 347 GWh de energia ao mercado da Cepisa como consequência da redução de perdas. "Se tivermos o mesmo sucesso que tivemos na Cemar [distribuidora do grupo no Maranhão], podemos ter um adicional de 10%, agregando 347 GWh ao mercado", disse Eduardo Haiama, diretor financeiro e de relações com investidores da companhia, em teleconferência com analistas e investidores. A projeção leva em conta que, hoje, a Cepisa tem perdas da ordem de 28%. Na Cemar, cujo controle foi adquirido pela Equatorial em 2004, as perdas já foram reduzidas para 16,8%.

Os executivos da Equatorial citaram diversas vezes a semelhança entre as concessões da Cepisa e da Cemar, o que foi fundamental para que a companhia pudesse fazer uma oferta competitiva no leilão. "A Cepisa é um ativo que tem muito a ver conosco", disse Augusto Miranda, presidente da Equatorial, Segundo ele, isso vai possibilitar um ganho sinérgico "muito grande". Além de semelhantes, as concessões são próximas, com centros de operação separados "por uma ponte."

Na teleconferência, Haiama destacou que a Equatorial já avalia a Cepisa há 14 anos - prazo que coincide com a aquisição da Cemar. A outra concessão de distribuição da Equatorial é a Celpa, do Pará, comprada em 2012 também por um valor simbólico.

A Equatorial é uma das poucas "corporations" do mercado brasileiro, com capital pulverizado, sem controladores. O maior acionista é a Squadra Investimentos, com 14,7% do total, seguido pelo Opportunity, com 9,83%, e pela BlackRock, que tem 5,77%.

Para levar a Cepisa, a companhia fez um lance de índice combinado de deságio de 119 pontos. O índice combinado é o resultado de um cálculo complexo do deságio em várias premissas utilizadas para se chegar ao valor do ativo.

Para possibilitar a privatização das distribuidoras da Eletrobras, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) publicou, ano passado, uma regra flexibilizando os parâmetros regulatórios das concessionárias da Eletrobras. Na prática, isso quer dizer que a agência aumentou os limites de perdas não técnicas (por furtos, os chamados "gatos") das concessionárias remunerados via tarifa. Além disso, a agência também aumentou a cobertura tarifária das despesas operacionais medidas pela sigla PMSO. Isso resultou em um aumento das tarifas da Cepisa na ordem de 8,5% desde o ano passado.

A Cepisa teria ainda o direito de ter um ressarcimento, por meio da tarifa, de cerca de R$ 844 milhões em empréstimos tomados da Reserva Global de Reversão (RGR, encargo setorial pago por todos os consumidores).

Com sua oferta, a Equatorial abriu mão de 100% dessa flexiblização - o que vai resultar em uma redução tarifária de 8,5%. O índice de 119 pontos é composto dos 100%, e também de 19 vezes a outorga mínima estabelecida pelo governo para a distribuidora do Piauí, de R$ 5 milhões. Pela fórmula, chegou-se à outorga de R$ 95 milhões que será paga ao Tesouro.

Apesar da oferta agressiva, a Equatorial está posicionada para ter um retorno positivo com o investimento. "A única empresa que poderia dar um lance como esse sem ter prejuízo era a Equatorial", disse um analista.

A Energisa, por exemplo, disse, em nota, que as condições da concessão da Cepisa comprometiam a sustentabilidade do investimento, pela necessidade de aportes elevados de capital para que a concessionária fosse adequada aos parâmetros regulatórios.

Segundo Haiama, a Equatorial deve pedir revisão tarifária extraordinária (RTE) em 2020 ou 2021. Isso não significa que a companhia buscará reverter a redução tarifária obtida no leilão.

Para ter retorno do investimento, a companhia precisará fazer investimentos pesados na concessão, ao mesmo tempo em que buscará ganhar eficiencia e reduzir as despesas operacionais para abaixo das despesas regulatórias (cobertas pela tarifa). Será por meio desses investimentos que a distribuidora vai ter uma redução das perdas por furtos (que hoje são parcialmente pagas pelos consumidores) e a melhora dos indicadores de qualidade do serviço prestado, com menos interrupções.

As distribuidoras são remuneradas de acordo com a base de ativos regulatórios (RAB, na sigla em inglês) das concessões. Com o aumento dos investimentos, essa base de ativos deverá crescer. Com a RTE, a companhia buscará uma remuneração do investimento já feito. Isso ocorreria mesmo se a Equatorial não tivesse abrido mão da flexibilização das perdas não técnicas e da cobertura tarifária para despesas operacionais, que oneram a tarifa.

Por Camila Maia, Estevão Taiar e Rodrigo Polito