Reservatórios têm queda e Sudeste fica com nível inferior ao do Nordeste
Seca mais intensa já pressiona tarifa de 2019
01/08/2018

Valor - Os reservatórios hidrelétricos do subsistema Sudeste/Centro-Oeste acumulam queda de 5,4 pontos percentuais no nível de estoque em julho, de acordo com o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). O subsistema é responsável por cerca de 70% da capacidade de armazenamento de água para geração de energia do país. Os lagos das usinas das duas regiões, consideradas a "caixa d'água" do setor elétrico, registraram na segunda-feira nível de armazenamento de 34,4%, abaixo da média das hidrelétricas do Nordeste (35,1%), que esteve em situação mais crítica nos últimos anos.

As usinas do Nordeste acumulam queda de armazenamento em julho de 2,5 pontos percentuais. Na mesma comparação, os reservatórios das hidrelétrica do Sul tiveram redução de 1,5 ponto percentual no armazenamento em julho, marcando atualmente 49,6%.

Já as hidrelétricas do Norte estão com 67,2% da capacidade de armazenamento. No mês, elas acumulam queda de 3,2 pontos percentuais no nível de estoque.

Segundo o Instituto Climatempo, a frente fria que recai sobre o Sudeste terá um reforço na próxima quinta-feira, com a intensificação do volume de chuvas até 10 de agosto. "Essa frente fria vai ganhar reforço no dia 2 [de agosto] com chuvas nas bacias do Paranapanema, Tietê e Grande até 10 de agosto. Haverá chuva significativa", explicou Patricia Madeira, diretora do instituto de meteorologia.

O volume de chuvas concentrado em importantes bacias, como Paranapanema e Grande, devem ter efeito positivo no nível de estoque das usinas do Sudeste/Centro-Oeste. Patricia, contudo, explicou que as chuvas não devem ser suficientes para alterar significativamente o Preço de Liquidação das Diferenças (PLD) - o preço de energia de curto prazo - porque a região Sul, que normalmente registra volume de chuvas mais intenso nessa época do ano, passa por estiagem e continua demandando contribuição de outras regiões.

O Climatempo não prevê a ocorrência de chuvas significativas a partir de 10 de agosto. Para setembro, a estimativa é um volume de chuvas abaixo da média histórica.

Patricia alerta ainda para outro ponto de preocupação. O instituto vê sinais de formação do fenômeno "El Niño" no fim deste ano, o que poderá fazer com que o período úmido, que normalmente começa em dezembro, atrase o seu início.

Ontem, a Petrobras sinalizou que não deverá adiar a parada técnica programada da plataforma de Mexilhão, na Bacia de Santos, e de um conjunto de termelétricas a gás natural. A plataforma é uma importante unidade fornecedora de gás para o mercado brasileiro e o parque termelétrico do país.

O adiamento da manutenção foi um apelo feito pelo ministro de Minas e Energia, Moreira Franco, ao presidente da Petrobras, Ivan Monteiro, em reunião na segunda-feira à noite, em Brasília. No encontro, Monteiro apresentou razões para não postergar a medida.

Segundo a Petrobras, a parada técnica de Mexilhão envolve um investimento da ordem de R$ 1 bilhão e mobiliza mais de 500 pessoas. A empresa pretende substituir a oferta de gás de Mexilhão por importação de gás natural liquefeito (GNL). De acordo com a companhia, não haverá impacto na tarifa de energia.

Os detalhes da parada técnica em Mexilhão serão apresentados hoje pela Petrobras, em reunião do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), em Brasília.

Seca mais intensa já pressiona tarifa de 2019

A estiagem deste ano está sendo muito pior do que o previsto inicialmente pelo governo, e os recursos arrecadados pela bandeira tarifária vermelha não são suficientes para fazer frente aos custos. Cálculos da consultoria TR Soluções obtidos pelo Valor apontam que os efeitos da seca vão ser responsáveis por grande parte dos aumentos da tarifa no próximo ano, com acréscimo de até 7 pontos percentuais sobre os reajustes tarifários. O efeito médio projetado para o país é de um acréscimo de 4,54 pontos percentuais.

Esse cenário já considera que a bandeira tarifária vermelha continuará em vigor até o fim deste ano, com acréscimo de R$ 5 a cada 100 quilowatts-hora (KWh). Os recursos arrecadados têm como destino a conta centralizadora das bandeiras tarifárias e são usados para pagar, principalmente, as despesas das distribuidoras com o despacho de termelétricas mais caras, que garantem o abastecimento no país em tempos de seca, e a exposição das distribuidoras ao déficit de geração das hidrelétricas (GSF, sigla em inglês para a diferença entre o que foi vendido pelas usinas e a energia efetivamente gerada).

Quando as distribuidoras de energia não recebem recursos suficientes para pagar a energia comprada, isso se transforma em um ativo regulatório, considerado no próximo reajuste tarifário da concessionária, com ajuste pela Selic.

Por exemplo, se uma distribuidora pleitear um reajuste tarifário de 10%, esse percentual deve ser acrescido de 4,54 pontos percentuais, levando a correção final a 14,54%. A previsão é uma média porque cada distribuidora tem uma composição própria de contratos de compra de energia, algumas mais expostas que outras ao risco hidrológico.

No caso da Eletropaulo, distribuidora que tem a concessão de São Paulo, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aprovou o reajuste médio de 15,84% no início de julho. Segundo o gerente Comercial e de Novos Negócios da TR, Helder Sousa, o déficit acumulado pela distribuidora desde a última revisão com a conta de bandeiras tarifárias representou um acréscimo de cerca de 6 pontos percentuais. Ou seja, se não fosse isso, a companhia teria um reajuste de 9% neste ano.

Segundo cálculos da EDP Energias do Brasil, esse déficit, que nada mais é um descasamento de caixa das distribuidoras, deve chegar a R$ 7 bilhões em agosto. Isso já aconteceu ano passado, quando foi necessário alterar a metodologia das bandeiras. Até então, o cálculo que resulta na bandeira não considerava o déficit de geração das hidrelétricas.

Mesmo com a incorporação do risco hidrológico na metodologia das bandeiras, o valor da cobrança adicional não está sendo suficiente para pagar as despesas das distribuidoras, uma vez o GSF projetado nas contas era muito menor do que o que está se concretizando. Na segunda-feira, a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) elevou a projeção de custo do risco hidrológico no ano de R$ 29 bilhões para R$ 39 bilhões. Desse total, cerca de R$ 27 bilhões serão cobertos pelo consumidor do mercado cativo - das distribuidoras.

"A situação do risco hidrológico está ficando insustentável. Se não forem tomadas medidas, essa previsão de impacto de R$ 39 bilhões para o ano de 2018 vai nos levar a uma crise de inadimplência sem precedentes no Brasil", disse Nelson Leite, presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee).

Apenas em agosto, o déficit da conta das bandeiras - e que futuramente será repassado aos consumidores - deve ser de R$ 3 bilhões, calcula Sousa, considerando o GSF projetado para o mês e o preço de energia no mercado à vista no teto de R$ 505,18/MWh.

Diferentemente das geradoras, que têm instrumentos de proteção, as distribuidoras de energia têm uma gestão passiva do GSF, repassando o montante integralmente aos consumidores. Isso significa que a maior parte dos consumidores de energia do país, principalmente os residenciais, não têm alternativa para minimizar esses custos, que vão sendo incorporados às tarifas com correção.

Embora o risco hidrológico seja considerado "risco do gerador" na maior parte dos casos, hoje, cerca de dois terços do mercado cativo está sujeito ao GSF, o que explica a dimensão do problema. É repassado integralmente ao consumidor o risco hidrológico da energia de Itaipu, das usinas enquadradas no regime de cotas, e também daquelas que aderiram à repactuação proposta em 2015 às hidrelétricas para acabar com a guerra de liminares, proporcionalmente aos "seguros" comprados.

Segundo a TR Soluções, há hoje 10,6 gigawatts (GW) enquadrados no regime de cotas, criado em 2012 pela ex-presidente Dilma Rousseff para baixar as tarifas, e que tirou dos geradores o risco hidrológico. Outros 15 GW se referem à energia dos geradores que aderiram à repactuação, por meio da compra de um "seguro" em troca da proteção total ou parcial à exposição ao déficit de geração. Esse prêmio de risco deveria ser aportado na conta de bandeiras tarifárias. No entanto, vários geradores negociaram para obter um prazo de carência, e hoje há apenas cinco usinas pequenas pagando mensalmente o seguro contratado. Os outros 6,8 GW sujeitos ao GSF são das cotas da usina binacional de Itaipu.

Segundo a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), que faz a gestão da conta das bandeiras tarifárias, nos últimos 12 meses, as distribuidoras assumiram R$ 21,4 bilhões em custos com compra de energia no mercado à vista, sendo R$ 7 bilhões do GSF das cotas, R$ 3,9 bilhões de Itaipu, e R$ 5,9 bilhões de repasse do risco hidrológico das empresas repactuadas. A arrecadação com prêmio de risco destas usinas, porém, somou R$ 207,8 milhões.

Por Camila Maia e Rodrigo Polito