Mercado de energia teme que disputa judicial por risco hidrológico siga até 2019
O risco é que o valor mais que dobre se o projeto de lei que busca solucionar o embate não for aprovado rapidamente no Senado
09/08/2018

Reuters - 03.08.2018 - Uma disputa judicial entre empresas de energia e o governo sobre regras do chamado “risco hidrológico” na operação de hidrelétricas que hoje envolve 6 bilhões de reais pode se arrastar até 2019, com o risco de o valor mais que dobrar se um projeto de lei que busca solucionar o embate não for aprovado rapidamente no Senado, disseram especialistas à Reuters.

Mesmo uma deliberação rápida no Congresso sobre a matéria, que propõe um acordo pelo qual as elétricas desistiriam das ações judiciais que originaram o conflito em troca de uma compensação, ainda poderia resultar em solução efetiva só na reta final de 2018 ou início de 2019.

Essa perspectiva tem aprofundado o embate judicial, e gerado novas ações, uma vez que a situação deixa grande parte das empresas do mercado de energia sem receber créditos por suas operações, pagos mensalmente pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), que faz a liquidação financeira das transações.

No último mês, devido principalmente às decisões que isentam algumas elétricas de custos gerados pelo “risco hidrológico”, a CCEE só arrecadou 1,6 bilhão de reais de um total de 9,17 bilhões necessários para pagamento dos credores. A CCEE já disse que o rombo pode saltar para mais de 13 bilhões de reais até o final do ano se nada for feito.

Esse valor superaria os 12 bilhões de reais que o governo estimou arrecadar anteriormente com a privatização da Eletrobras, agora em modo de espera por decisão política, e dá uma ideia do tamanho do rombo gerado pelo déficit hidrológico.

“Esperamos que os senadores compreendam a gravidade dessa situação e aprovem o projeto de lei como ele está, para que não precise voltar para a Câmara”, afirmou o presidente do Fórum de Associações do Setor Elétrico (Fase), Mário Menel, que representa as elétricas junto ao governo.

Ainda nesse cenário otimista, o texto sobre o acordo define que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) precisará calcular e regulamentar a compensação que as empresas terão em troca da retirada das liminares e pagamento das cobranças na CCEE. A compensação será por meio de uma prorrogação dos contratos de concessão das hidrelétricas envolvidas na disputa.

“Mesmo que seja aprovado no Senado neste ano, a possibilidade de regulamentar e aplicar ainda em 2018 é pequena, é praticamente impossível”, apontou o presidente da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia (Abrace), Edvaldo Santana. Ex-diretor da Aneel, ele estimou que o processo de regulamentação e aceitação do acordo pelas empresas levará mais de três meses.

Santana ainda lembrou que o projeto sobre o acordo também traz mecanismos para viabilizar a privatização de distribuidoras da Eletrobras, um tema que enfrenta forte resistência de alguns parlamentares do Norte e Nordeste, onde atuam essas empresas, e de partidos de esquerda e sindicatos.

“Tenho acompanhado as coisas no Senado e eles não querem colocar na pauta antes das eleições temas complexos. E o projeto, por causa das distribuidoras da Eletrobras, gera divergências”, afirmou.

O presidente da Apine, que representa os geradores, Guilherme Velho, disse estimar que o acordo resultaria em uma extensão de em média dois anos dos contratos das usinas hídricas envolvidas.

“Isso poderia acontecer ainda no final deste ano, início do ano que vem... mas é fundamental que o projeto seja aprovado pelo Senado já na semana que vem, na volta do recesso, para seguir o processo”, afirmou.

DISTORÇÕES
Enquanto a guerra de liminares não é resolvida, a falta de arrecadação nas liquidações da CCEE tem gerado distorções no mercado, como uma nova onda de conflitos na Justiça, com comercializadoras de energia e outras empresas buscando decisões nos tribunais para evitar descontos nos valores que têm a receber.

A CCEE já registra 284 ações judiciais relacionadas à disputa pelo risco hidrológico. Dentre essas, 137 são de empresas que buscam “furar a fila” e receber antes seus créditos nas liquidações. Atualmente há 55 empresas beneficiadas com liminares nesse sentido.

Com isso, segundo a CCEE, 98 por cento das empresas do mercado elétrico só receberam 10 por cento dos créditos a que tinham direito nas liquidações nos últimos doze meses. Enquanto isso, um por cento dos agentes acessaram 87 por cento dos valores a que teriam direito, devido às liminares que os beneficiam.

Essa desigualdade tem desorganizado o mercado e levado a uma verdadeira guerra nos bastidores pelo recebimento dos créditos. As empresas com prioridade para receber têm realizado operações em que antecipam recebíveis de outros agentes com uma taxa de desconto. Na prática, é uma operação financeira que gera bons ganhos para aqueles que possuem essas liminares.

“Essa questão tem que ser resolvida antes do ano que vem... O nosso mercado de comercialização de energia virou um mercado de negociação de liminares. Ou seja, quem tem a melhor liminar recebe mais... ou faz resultado financeiro. O mercado virou um mercado de desconto”, reclamou o presidente da comercializadora de energia Focus, Alan Zelazo.

Em nota, a CCEE disse que a judicialização “de forma geral não é saudável para o mercado” e “gera desequilíbrio nas transações financeiras” do setor. A instituição afirmou ainda que tem buscado soluções jurídicas e administrativas para “normalizar” o mercado e “garantir o tratamento isonômico dos agentes” nas liquidações.

Por Luciano Costa