Cresce presença de multinacionais em energia
Os dados fazem parte de estudo elaborado pela FGV
23/08/2018

Valor - O setor elétrico brasileiro registrou mais de 15 operações de fusões e aquisições desde 2016, que totalizaram quase R$ 86,2 bilhões em valor de empresa. Desse total, 95,2% - ou R$ 80,5 bilhões - representaram aquisições em que o capital comprador foi de origem estrangeira. Ainda sobre o total, estrangeiras estatais responderam por 81,3%, seguidas por estrangeiras privadas (13,9%). Companhias privadas nacionais preencheram apenas 2,2% desse valor. O restante é relativo à participação de parcerias entre empresas privadas nacionais e estrangeiras.

Os dados fazem parte de estudo inédito elaborado pelo Grupo de Economia da Infraestrutura & Soluções Ambientais da FGV e que será lançado hoje, em São Paulo. Além da constatação do movimento de concentração do setor de energia elétrica do país nas mãos de poucos grupos, uma das preocupações levantadas pelo trabalho é com relação aos efeitos dessa consolidação na competitividade e eficiência do mercado.

O estudo busca alertar o governo sobre a necessidade de adotar regras para evitar concorrência desleal nos processos de fusão e aquisição e garantir a qualidade do serviço, quando se discute uma possível privatização da Eletrobras, maior companhia de energia elétrica da América Latina, responsável por um terço do parque gerador e por metade do sistema de transmissão do Brasil.

"Não estamos discutindo aqui em abstrato. Há pela frente uma agenda de privatização. Sabemos a dificuldade que a Eletrobras tem para manter o nível de investimentos e o ônus que seria sobre o Tesouro não privatizar a Eletrobras. A grande questão não é se deve privatizar, mas como privatizar, garantindo competitividade, transparência e igualdade de condições na disputa dos certames", disse Gesner Oliveira, professor da FGV responsável pelo estudo e sócio da consultoria GO Associados.

O estudo, que traçou um panorama concorrencial do setor elétrico brasileiro, analisando as operações de fusões e aquisições nos últimos dois anos, concluiu que existe um diferencial relevante de custo de capital nos processos concorrenciais no setor.

"Chama atenção o fato de empresas nacionais terem dificuldades de ter essa competitividade no mercado", destacou Oliveira.

Segundo ele, esse desequilíbrio ocorre por dois motivos. O primeiro é o elevado custo de capital próprio das empresas brasileiras. O outro é o potencial de subsídios governamentais estrangeiros que reduzem artificialmente o custo de capital de competidores internacionais.

"É urgente criar condições competitivas para que o custo de capital seja menor e, consequentemente, empresas nacionais possam participar em condições de igualdade", disse o especialista. "O Brasil precisa ficar atento para lançar mão de regras da OMC [Organização Mundial do Comércio] que possam rechaçar financiamentos subsidiados de forma que estrangeiras façam lances competitivos".

O estudo destacou a liderança da China nesse processo de consolidação do mercado brasileiro. "São estados que querem expandir no setor de infraestrutura, como é o caso da China", afirmou Oliveira.

De acordo com o documento, a maior aquisição em todo o período analisado, foi a compra da CPFL Energia pela chinesa State Grid Corporation, em julho de 2016, pelo valor de R$ 40,6 bilhões.

No levantamento da FGV, as aquisições feitas pela italiana Enel nos últimos dois anos no Brasil, entre elas as distribuidoras Celg D (GO) e Eletropaulo (SP) e a hidrelétrica de Volta Grande (MG), foram tratadas como operações de capital estrangeiro estatal. O governo italiano possui participação próxima de 23% na companhia.

Com relação à eficiência, a preocupação levantada pelos pesquisadores é que a concentração no setor de distribuição possa nivelar por baixo a qualidade do serviço, já que a regulação é feita por meio de benchmark.

De acordo com a Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), porém, os índices médios de frequência e duração de interrupções no fornecimento de energia em 2017 recuaram 7% e 11%, respectivamente, em relação ao ano anterior.

Concentração estrangeira no setor elétrico

O setor elétrico brasileiro registrou mais de 15 operações de fusões e aquisições desde 2016, que somaram quase R$ 86,2 bilhões em valor de empresa. Desse total, 95,2% - R$ 80,5 bilhões - foram aquisições em que a companhia compradora era de origem internacional. E as estatais estrangeiras responderam por 81,3%, seguidas pelas empresas privadas internacionais (13,9%). Companhias privadas nacionais preencheram apenas 2,2% desse valor. O restante é relativo a participações em parcerias entre empresas privadas nacionais e do exterior.

Por Rodrigo Polito