Liminares por déficit de geração ameaçam setor elétrico
Situação pode travar liquidações; ninguém vai receber nem pagar
18/10/2018

Valor - A guerra de liminares referentes ao déficit de geração das hidrelétricas (GSF, na sigla em inglês para a diferença entre a energia vendida pelas hidrelétricas e a efetivamente gerada), responsável por uma inadimplência que já chegou a R$ 9 bilhões no mercado à vista de energia, pode travar as operações, com consequências danosas para todo o setor elétrico.

O problema é tido como o mais grave e urgente a ser resolvido em todo o setor, justamente pelas consequências sistêmicas, que podem chegar ao desligamento de termelétricas, necessárias em um momento de hidrologia escassa.

Ao rejeitar o projeto de lei que viabilizava a operação das distribuidoras da Eletrobras, o Senado também jogou fora a solução legal que acabaria com a judicialização do risco hidrológico. Agora, a tendência é que o cenário se agrave, com a continuação da guerra de liminares que poderá fazer com que a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) se veja obrigada a suspender as liquidações do mercado de curto prazo.

"A situação pode travar as liquidações; ninguém vai receber nem pagar, o que pode dar uma pane no mercado", disse Thais Prandini, diretora-executiva da consultoria Thymos Energia.

Para preservar água dos reservatórios, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) determina que as hidrelétricas poupem recursos hídricos, gerando menos que suas garantias físicas. Como as empresas vendem, no mundo contratual, um percentual maior de suas energias asseguradas, a diferença fica exposta ao mercado à vista, na qual os preços de energia são elevados e voláteis. Para se proteger do problema, as hidrelétricas conseguiram liminares limitando os efeitos da exposição ao GSF. Os valores não pagos vêm se acumulando desde 2014, chegando nos quase R$ 9 bilhões de hoje.

O problema é que nem toda a razão desse rebaixamento das hidrelétricas tem origem hídrica. O sistema privilegia formas de energia não despacháveis, como eólicas e solares, e o deslocamento também acaba sendo causado pelo despacho de termelétricas fora da ordem de mérito, importação de energia e atraso na transmissão de grandes projetos. O projeto de lei trazia uma proposta de solução para o problema. As hidrelétricas abririam mão das liminares em troca da extensão das concessões de forma proporcional à exposição ao GSF "não hidrológico".

"Era uma solução que não traria aumento tarifário", disse Claudio Sales, presidente do Instituo Acende Brasil. Segundo ele, com a rejeição do projeto de lei pelo Senado, todo o setor está em risco.

Já se fala no mercado que as liquidações estão praticamente travadas. Além das liminares das hidrelétricas, os credores foram atrás de decisões judiciais para garantir a prioridade no recebimento dos créditos, diante da inadimplência crescente nas liquidações.

A liquidação de agosto, concluída na semana passada, teve inadimplência de 85%, ao movimentar R$ 1,9 bilhão dos R$ 12,4 bilhões contabilizados. Os agentes amparados por decisões com prioridade no recebimento tiveram adimplência de 56%. Os protegidos por liminares que garantem a incidência regular das normas tiveram adimplência de 7%. Depois disso, não houve recurso para pagar os demais agentes.

Em 2015, a CCEE precisou suspender a liquidação do mercado à vista de energia por causa das liminares do GSF. Foi nessa época que os agentes credores foram à Justiça e conseguiram liminares para receber integralmente os montantes a que teriam direito. Como não havia recursos para operacionalizar todas as liminares, a câmara não teve escolha a não ser paralisar todos os pagamentos. Os agentes entraram em acordo e aceitaram receber com prioridade, mas proporcionalmente ao valor recolhido. Hoje, a inadimplência está muito maior. Muitos agentes que estão sem receber podem ir à Justiça atrás de mais decisões, travando novamente as operações.

Esse seria o pior dos cenários para o mercado de energia. Termelétricas descontratadas, despachadas fora da ordem de mérito, por exemplo, ficariam sem receber pela energia vendida. Sem recursos para comprar combustíveis, podem deixar de operar. Geradores descontratados também ficariam sem receber, assim como comercializadoras, com o equilíbrio financeiro prejudicado.

Por Camila Maia