Plano da Aneel para GSF é mal recebido
Clipping Apine
29/10/2018

Valor - A proposta apresentada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para resolver a batalha judicial em torno do risco hidrológico (medido pelo fator GSF, na sigla em inglês) foi considerada um "retrocesso" pelos geradores, apurou o Valor.

A diretoria da agência reguladora recebeu na quarta-feira representantes das cinco empresas mais expostas ao GSF: AES Tietê, CTG, Enel, Brookfield e Light.

Na ocasião, foi apresentada a proposta de um acordo baseada na Lei 13.203, de 2015, que prevê que os agentes possam comprar energia de reserva para se proteger contra o GSF no futuro. O preço médio da energia de reserva é de cerca de R$ 220 por megawatt-hora (MWh). Esses contratos são liquidados no mercado à vista pelo preço de liquidação das diferenças (PLD), que costuma ficar elevado nos meses em que o déficit das hidrelétricas também é alto.

Proposta, que deve ser rejeitada, não prevê ressarcimento por despesas não relacionadas à hidrologia

A ideia é que as hidrelétricas possam ter algum ganho com a liquidação desses contratos de reserva. As empresas poderão comprar no mínimo 5% de suas garantias físicas em energia de reserva. Em troca, precisam abrir mão das liminares que limitam a exposição ao risco hidrológico.

"Houve um retrocesso muito grande", disse uma fonte de mercado com conhecimento da situação. Segundo a fonte, a proposta foi mal recebida entre os geradores, que esperavam algo mais consistente em cima do que vinha sendo tratado com a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) em reuniões feitas ao longo do ano.

A proposta negociada até então envolvia um ressarcimento aos geradores dos custos incorridos com o GSF "não hídrico" retroativo a 2013. O argumento era de que as hidrelétricas geraram menos que suas energias asseguradas por outros motivos além da hidrologia, como despacho de termelétricas fora da ordem de mérito, importação de energia, e atrasos na transmissão de projetos.

Essa exposição seria calculada e revertida em uma extensão da concessão das hidrelétricas, que concordariam em abrir mão das liminares. A autorização para o aumento do período das concessões, contudo, dependia do projeto de lei rejeitado pelo Senado na semana passada.

Na nova proposta, a Aneel desistiu de dar um ressarcimento às hidrelétricas em relação ao passado. A proposta de compra de energia de reserva também foi mal recebida. "Hoje, se consegue comprar contratos de longo prazo no mercado livre a R$ 140/MWh e até a R$ 130/MWh. Por que vão aceitar comprar a R$ 220/MWh?", afirmou uma fonte.

Os geradores ficaram de elaborar uma contraproposta para a Aneel, que deve ser apresentada em nova reunião marcada para a próxima segunda-feira.

Para uma fonte que participa das discussões sobre o tema, a solução infralegal pode ainda dar margem a uma nova onda de judicialização no setor elétrico se não for bem elaborada. "A solução infralegal, via Aneel, pode ser relevante. Mas, a depender do que for decidido, pode dar margem a judicialização, porque não terá a mesma segurança jurídica que é garantida por uma decisão legal. Mas, o esforço da Aneel em buscar uma solução é louvável", disse ela.

A fonte disse ainda ser pouco provável que o governo edite uma medida provisória (MP) com proposta de solução para o problema do GSF, possibilidade que foi aventada nos últimos dias pelos próprios geradores. "O governo está muito fraco para aprovar uma MP", disse ela, referindo-se a necessidade de aprovação pelo Congresso após a publicação da MP.

A pressão para os geradores aderirem a algum tipo de acordo cresceu depois que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) suspendeu os efeitos futuros da liminar que protegia os geradores da Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Energia Elétrica (Apine) dos efeitos do GSF. A liminar era a maior entre todas referentes ao risco hidrológico, e parou de valer com efeitos retroativos a fevereiro. Com isso, o montante travado por liminares, de R$ 8,8 bilhões até agosto, deve diminuir em até R$ 2 bilhões.

Ainda assim, o problema está longe de acabar, de acordo com Lívia Amorim, especialista em gás e energia do escritório Souto Correa Advogados. "Na verdade, houve uma mudança de cenário, com a queda da liminar da Apine, mas a disputa da União com geradores está longe de uma solução", afirmou Lívia, ao Valor. "Existe um impacto muito grande no mercado [de energia], que está sendo carregado pelos credores do mercado de curto prazo", completou.

Segundo ela, os credores do mercado de curto prazo que não possuem liminares que dão direito a preferência no recebimento dos valores das liquidações do mercado não estão recebendo praticamente nada nos últimos quatro meses. "Esse problema [da inadimplência no mercado] não é conjuntural. É estrutural. Já dura há quatro anos", disse Lívia.

Por Camila Maia e Rodrigo Polito