Ministro defende entrada do setor privado na produção de energia nuclear
Por determinação da Constituição, apenas o Estado pode explorar instalações nucleares
24/01/2019

O Globo - 23.01.2019 - O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, defendeu nesta quarta-feira possibilidade de empresas privadas produzirem energia nuclear no Brasil. Atualmente, a Constituição determina que apenas a União pode exercer essa atividade no país, mas ele afirmou que o governo tem planos de rever isso no futuro.

— Em um país como o nosso, dentro de suas características, a iniciativa privada é fundamental para seu destino. Considero um processo natural no futuro termos no país indústrias que não sejam estatais explorando energia nuclear em todos os segmentos — disse o ministro, que foi diretor-geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha. — No momento não é possível (atividade privada na energia nuclear) por questões da nossa Constituição, que impede isso. Mas acredito que no futuro vai ser revisto. Já está sendo discutido.

Em nota divulgada na terça-feira, o ministério informou que o governo pretende construir de quatro a oito usinas nucleares no Brasil, sem entrar em detalhes. Hoje, o país tem duas em operação (Angra 1 e 2), que respondem por 1,2% da geração nacional de eletricidade. Albuquerque defendeu a conclusão das obras de Angra 3 — paralisadas desde 2015, ao se tornar alvo da Lava-Jato. Disse que a usina é estratégica e que pretende buscar parceiros para colocá-la em operação até 2026.

No modelo em estudo pelo governo para Angra 3, o investidor aportará recursos na usina, mas o controle será estatal. Segundo o ministro, cinco empresas já mostraram interesse após o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) ter aprovado, no fim de 2018, aumento na tarifa que poderá ser cobrada pela usina.

Custo alto - A Constituição estabelece o “monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados”. Por isso, especialistas são cautelosos quanto à viabilidade da participação privada em um plano de construção de novas usinas nucleares.

Rafael Kelman, da consultoria especializada em energia PSR, destaca que, além de a discussão ter que passar pelo Congresso, o Brasil dispõe de fontes de energia mais baratas que a nuclear. De acordo com um estudo feito pela PSR para o Instituto Escolhas, o custo da energia nuclear é da ordem de R$ 450 por megawatt/hora (MWh), contra R$ 286 da geração hidrelétrica, R$ 300 da eólica e R$ 399 da solar.

— Podemos optar pela nuclear por questões políticas, mas não pelo custo — avalia.

Joaquim Francisco de Carvalho, mestre em engenharia Nuclear, pondera que a construção de uma central nuclear do porte de Angra 3, com capacidade de 1.300MW, requer um investimento muito alto, o que pode não ser vantajoso na comparação com o custo de outras fontes. Para o professor do Programa de Engenharia Nuclear da Coppe/UFRJ Aquilino Senra, é preciso primeiro definir Angra 3:

— É preciso decidir a conclusão da usina, caso contrário os custos para o país serão altos. Depois, é preciso avaliar as previsões da demanda de energia futura para se planejar novas unidades.

Mikio Kawai Junior, diretor executivo da Safira Energia, diz que a opção nuclear é boa por não emitir gases do efeito estufa, ser considerada segura e ter geração ininterrupta, a não ser na troca de parte do combustível. Mas admite que a questão é política:

— A energia nuclear é previsível, limpa, mas tem, por exemplo, o problema futuro dos rejeitos. O Brasil estaria na contramão de outros países, que estão abandonando a energia nuclear.

Megaleilão de petróleo - Bento Albuquerque afirmou nesta quarta que a meta do governo é fazer no segundo semestre o megaleilão de petróleo no pré-sal, a partir do excedente da cessão onerosa, contrato pelo qual a Petrobras teve o direito de extrair até 5 bilhões de barris numa região como parte do processo de capitalização de 2010. Para realizar a licitação, que pode render R$ 100 bilhões aos cofres públicos, o governo precisa chegar a um acordo com a estatal. O ministro explicou que o governo ainda não decidiu o modelo de capitalização da Eletrobras.

Por Manoel Ventura e Ramona Ordoñez