Cobrança por evaporação?
O impacto apresentado no estudo como negativo é significativamente inferior aos inúmeros aspectos positivos proporcionados pela reservação de água
03/05/2019

Artigo - Marcelo Moraes e Enio Fonseca (Fmase)

CanalEnergia - 30.04.2019 - O Manual de Usos Consuntivos da Água no Brasil, publicado recentemente pela Agência Nacional de Águas (ANA) destacou que hidrelétricas gastam quatro vezes mais água que todo o consumo humano do país. O estudo, que englobou levantamentos nos 148 reservatórios do Sistema Interligado Nacional (SIN) e cerca de 7.200 outros reservatórios totalizando 38.200 km², afirmou que a evaporação dos reservatórios representou o segundo maior consumo de água no Brasil, atrás apenas da irrigação na agricultura.

De acordo com o conceito adotado pela ANA ,“um uso é considerado consuntivo quando a água é consumida, total ou parcialmente, no processo a que se destina, não retornando diretamente aos corpos hídricos de onde foi retirada”. Ainda que o estudo contabilize a evaporação líquida em reservatórios como consumo, uma vez que ela não retornaria diretamente a onde foi retirada, temos claro que, do ponto de vista hidrológico macro, ainda que a água “consumida” não volte diretamente ao local do corpo hídrico de onde foi retirada, ela não deixa de existir , e se evaporada, seguirá os princípios climatológicos, sendo transportadas pela atmosfera voltando em algum lugar ,de forma inexorável, ao solo. O total de água no mundo é um valor imutável.

Temos claro que esse impacto apresentado no estudo, como negativo, seria significativamente inferior aos inúmeros aspectos positivos que a reservação de água teria para o meio ambiente, para as atividades produtivas, para a qualidade de vida e para a população como um todo.

O recente estudo realizado pelo mestre e doutor em Engenharia de Recursos Hídricos e Saneamento Ambiente, Antônio Eduardo Lanna, Evaporação e Regularização de Vazões nos Reservatórios do Setor Elétrico Brasileiro, mostra evidências de que o efeito dos reservatórios do Setor Elétrico aumenta, não reduz as disponibilidades hídricas. O levantamento é um cruzamento de dados da própria ANA, do Operador Nacional do Sistema (ONS), e do Sistema de Informações do Potencial Hidrelétrico Brasileiro, da Eletrobrás, e aponta que a evaporação de um reservatório, que certamente reduz a vazão média na seção do barramento, é normalmente compensada pela regularização promovida, que aumenta substancialmente as vazões de estiagem a jusante da seção fluvial.

Sendo assim, a evaporação é compensada pelo aumento das disponibilidades em períodos de estiagem, quando a água tem maior valor. Além disto, um reservatório aumenta também a disponibilidade hídrica na área inundada. Ao ser ignorando o efeito benéfico da regularização promovida pelos reservatórios que causam a evaporação, existe risco de se atingir conclusões indevidas, penalizando a geração de energia hidrelétrica, uma fonte considerada renovável e de baixíssimo potencial poluidor.

Esse conceito novo de enquadrar um processo natural, da evaporação de corpos de água como consumo, pode trazer por trás uma iniciativa de cobrança pelo uso dessa água que evaporada, e que desde já, o Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico (FMASE), que congrega dezoito entidades de classe de âmbito nacional dos segmentos de geração, transmissão, distribuição, comercialização e consumo de energia elétrica, refuta com firmeza.

Ao contrário, a retomada da política de reservação de água é uma necessidade urgente para evitar a ampliação da escassez hídrica nas bacias hidrográficas brasileiras, ainda que neles se observe o fenômeno natural da evaporação, pois reservatórios aumentando a oferta de água para diferentes usos múltiplos e a segurança energética, observada a modicidade tarifária. Os reservatórios garantem a segurança nos eventos climáticos de escassez, o abastecimento humano e de animais, a produção de energia, a água para indústria e irrigação, a navegação, o turismo e a produção de alimentos.

A Política Nacional de Recursos Hídricos preconiza a necessidade de assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água e isso só será alcançado com ações públicas positivas e propositivas que aumentem essa disponibilidade, o que pode ser alcançado com novos reservatórios, cuja gestão, em todos os aspectos, estimulem positivamente sua ampliação no País.

Marcelo Moraes e Enio Fonseca são, respectivamente, Presidente e Vice-Presidente do Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico (Fmase)