Cenário 'emperra' mudanças no setor elétrico
O setor vem perdendo terreno dentro das prioridades do governo, apesar dos esforços da equipe do ministro Bento Albuquerque
22/05/2019

Valor - Em meio a crises políticas e o foco da equipe econômica na reforma da Previdência, o setor elétrico vem perdendo terreno dentro das prioridades do governo, apesar dos esforços da equipe do ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, de acordo com a avaliação do mercado de energia.

Mesmo com a decisão do almirante de manter boa parte dos técnicos da pasta, o que foi considerado acertado por executivos e especialistas do setor, os três pontos mais aguardados da agenda de energia elétrica - a solução para o impasse relacionado ao risco hidrológico (GSF, na sigla em inglês), a capitalização da Eletrobras e a reforma do setor elétrico - estão sem previsão de solução no curto prazo e, muito provavelmente, ficarão para 2020.

Tida como a prioridade do ministro, a solução para o impasse do GSF, que gera uma inadimplência de R$ 7,1 bilhões no mercado de curto prazo, esbarra mais uma vez no Congresso. O novo capítulo da novela, que já dura seis anos, foi a inclusão no texto do projeto de lei 10.985/2018, sobre a repactuação do risco hidrológico, da criação do polêmico Fundo de Expansão dos Gasodutos de Transporte e Escoamento da Produção, o "Brasduto".

Apesar de ser uma matéria de consenso, e que o governo entende ser positiva, colocaram 'jabutis' na legislação, como essa questão do Brasduto. Isso é misturar os interesses, é querer pegar carona na solução de um problema. Acabou não solucionando a questão do GSF para fazer lobby para um grupo de interesses específicos", afirmou um executivo do setor elétrico, sob condição de anonimato.

O presidente do Instituto Acende Brasil, Cláudio Sales, concorda com essa avaliação. "A inclusão de um projeto bastante controverso está atrapalhando", disse. Para ele, a solução para o impasse do GSF está na "na marca do pênalti". "Mas tudo depende do tratamento que o governo vai dar", completou.

Na última liquidação do mercado de curto prazo da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), referente ao mês de março, dos R$ 9,6 bilhões contabilizados, a inadimplência chegou a R$ 7,7 bilhões, sendo R$ 7,12 bilhões referentes às liminares sobre o risco hidrológico. Para ter uma ideia, um credor comum da liquidação recebeu apenas 4% do valor a que tinha direito.

A solução específica para o impasse do GSF e que já tem consenso no governo e no mercado é a proposta de extensão do prazo de concessão de usinas hidrelétricas desde que seus respectivos donos abram mão das liminares que os protegem do pagamento das despesas do GSF. Caso aprovado e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro, o projeto de lei prevê um prazo para que os agentes avaliem se vão aderir ou não à proposta. Por esse motivo, muitos no mercado já trabalham com o efeito prático da solução do GSF apenas em 2020.

É com esse mesmo horizonte que as empresas consideram a capitalização da Eletrobras e a reforma do marco legal do setor elétrico. Em relação ao plano de capitalização da companhia, o Valor apurou que o Ministério da Economia tem influência nas discussões.

A meta do ministro de Minas e Energia é divulgar ao mercado o novo modelo de capitalização ainda em junho. O presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Júnior, tem sinalizado internamente que confia no avanço da iniciativa.

Tanto o executivo quanto o ministro Albuquerque acreditam na possibilidade de realizar a capitalização ainda neste ano. Nos bastidores, no entanto, esse cenário é dado como improvável. O próprio vice-presidente Hamilton Mourão indicou, em recente reunião com representantes sindicais ligados à Eletrobras, que o assunto deve ficar para 2020, após ampla discussão com sociedade e Congresso.

Além da decisão da pasta de rever o plano anterior de capitalização da Eletrobras, definido ainda no governo Temer e que garantia a privatização da empresa, com um pagamento de bônus de R$ 12 bilhões à União referente à mudança no regime de concessão de um conjunto de hidrelétricas da companhia, outra ameaça à medida é a proposta alternativa do Ministério da Economia. O plano prevê fatiamento e venda em separado das grandes subsidiárias da estatal. Mas, com essa fórmula, não há garantia de mudança do regime regulatório das hidrelétricas.

Sobre a reforma do setor, a preocupação do mercado é com relação ao prazo para a sua implementação. Havia uma expectativa de que o Ministério de Minas e Energia desse continuidade ao trabalho que foi feito na chamada pública 33/2017, amplamente discutida com diversos segmentos do mercado. A pasta, no entanto, recuou e criou, em abril, um grupo de trabalho para "aprimorar propostas de modernização do setor elétrico". Apesar da disposição do governo em tratar do assunto, o grupo de trabalho terá um prazo até outubro. Considerando o trâmite normal do Congresso, é difícil imaginar a implementação de alguma medida ainda neste ano.

Outros pontos da agenda avançam mais depressa. É o caso do plano de solução para atendimento energético à Roraima, único Estado isolado do Sistema Interligado Nacional (SIN). Além de realizar um leilão no fim deste mês para contratar energia para o Estado com edital inovador, o governo priorizou o licenciamento ambiental da linha de transmissão que ligará Boa Vista a Manaus, conectando Roraima ao SIN.

Também pode ser incluída no grupo das pautas que avançaram a solução para a retomada das obras da usina nuclear de Angra 3. Após receber contribuições de potenciais interessados, o governo prevê lançar no início do segundo semestre o edital da concorrência internacional e definir até o fim do ano o parceiro para a conclusão das obras. A expectativa é retomar a construção da terceira usina nuclear brasileira até 2021. A previsão é que Angra 3 inicie a operação em janeiro de 2026.

Por Rodrigo Polito