Novas tecnologias podem facilitar o licenciamento de hidrelétricas
Iniciativas como monitoramento da fauna a partir de análise de DNA na água ajudam a mitigar impacto ambiental das usinas
09/10/2020

Valor Econômico - 08.10.2020 - As geradoras de energia enfrentam dificuldades, nos últimos anos, para licenciar grandes hidrelétricas pela sensibilidade socioambiental associada à inundação de grandes áreas onde as usinas operam. Tecnologias que ajudam a mitigar esses impactos começam a abrir, porém, novas perspectivas para os projetos no que se refere ao licenciamento ambiental conduzido por diferentes órgãos regulatórios, entre os quais está o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Com uso de soluções tecnológicas, os licenciamentos podem se tornar mais céleres, dizem especialistas.

Um exemplo do uso da tecnologia para reduzir o impacto das hidrelétricas no ambiente está na startup BioBureau, do Rio, que, no fim de setembro, começou a fazer coletas de água na usina Três Irmãos, a maior do rio Tietê, para desenvolver o primeiro monitoramento massivo de fauna aquática a partir de análises de DNA. O método retira apenas amostras de água do reservatório e permite, ao mesmo tempo, identificar um maior número de espécies do que as metodologias tradicionais.
 
A companhia, fundada pelo biólogo marinho e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Mauro Rebelo, fechou contrato com a concessionária Tijoá, dona da Três Irmãos, no valor de RS$ 1,69 milhão. O dinheiro será usado para realizar o levantamento, que terá dois anos de duração. O acordo é financiado com recursos do programa de Pesquisa e Desenvolvimento da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

A usina de Três Irmãos possui capacidade instalada de 807,5 MW e tinha como condicionante para sua licença de operação o monitoramento das espécies do reservatório. Até então o processo era feito pela retirada de espécies do ambiente nativo para análise. Rebelo acredita que iniciativas como a da BioBureau vão ajudar em futuros processos de licenciamento, pois contribuem também para a ampliação dos estudos das espécies.

“Uma das vantagens do uso do DNA é o volume pequeno de amostras e a enorme quantidade de informações obtidas. Há a possibilidade de automatizar o processo, então conseguimos processar um número maior de amostras. Vamos caracterizar melhor a biodiversidade. Isso traz robustez para a informação, o que melhora a forma como o órgão ambiental olha para os resultados do monitoramento”, diz Rebelo.

A gerente de Meio Ambiente Fundiário da Tijoá, Angélica Barreto, afirma que se questionava sobre a real eficácia do monitoramento tradicional, mais invasivo e menos preciso. “Prevemos uma grande contribuição [da iniciativa] nos futuros processos de licenciamento. Há ganhos em amostragem e precisão, com um número maior de espécies identificadas.”

Incertezas sobre a obtenção de licenças e demora nos pareceres do Ibama estão entre os principais fatores de risco para novos projetos no Brasil. O tema está em debate, inclusive, no Congresso a partir do projeto da Lei Geral do Licenciamento Ambiental (PL 3729/2004). A expectativa é que o projeto seja votado na Câmara ainda este ano, apesar das críticas de ambientalistas, que apontam a flexibilização das regras de proteção. A nova lei permitirá que uma maior gama de empreendimentos use a Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC), que dispensa estudos prévios de impacto ambiental.

De acordo com o ex-presidente do Ibama Curt Trennepohl, mesmo antes da aprovação da nova lei, alternativas tecnológicas podem acelerar os processos de licenciamento de novas unidades, além de ajudar no acompanhamento das condicionantes das usinas existentes. Para ele, o país não precisa afrouxar as exigências ambientais. “Não se admite mais que um processo de licenciamento de hidrelétrica demore oito, dez anos. Precisamos criar e implantar novos mecanismos para dar maior celeridade sem perder a segurança ambiental no licenciamento e acompanhamento de atividades”, diz.

Iniciativas para tornar o aval ambiental mais célere e transparente têm surgido no próprio Ibama. Em agosto o órgão informatizou os processos de licenciamento, eliminando a necessidade de troca de documentos físicos entre o órgão e o empreendedor durante a análise dos projetos. Com isto, é possível acompanhar todas as etapas dos processos de forma remota. O analista ambiental do Ibama Alexandre Souza ressalva, no entanto, que a análise humana é um ponto crucial dos processos. Ele acrescenta que hidrelétricas têm alta sensibilidade ambiental, portanto há um limite para a mitigação de impactos.

“Existem tecnologias surgindo, há alternativas para facilitar a movimentação dos peixes e não atrapalhar a reprodução, por exemplo, mas hidrelétricas sempre têm impacto significativo”, diz. As discussões ocorrem em meio às sinalizações do governo de interesse em viabilizar hidrelétricas de grande porte. O Programa de Parcerias e Investimentos incluiu desde 2019 quatro projetos no portfólio para apoio no licenciamento: Castanheira (MT), Bem Querer (RR), Telêmaco Borba (PR) e Tabajara (RO).

Por Gabriela Ruddy