Enase 2020: modernização em curso
Após anos de discussão mercado começa a ver a movimentação da agenda que visa tornar o modelo regulatório mais aberto, seguro e livre
15/10/2020

CanalEnergia - 09.10.2020 - O setor elétrico viu e ouviu durante os quatro dias do 17º Enase, que foi realizado de forma virtual em função da pandemia de covid-19, uma postura de convergência entre Poder Concedente e o mercado: o setor ruma à esperada modernização do modelo regulatório. Ações que estavam em discussão há anos começam a caminhar. Após aprovações do PL do Gás, que foi ao Senado, e do PL do GSF – em regulamentação na Aneel – tivemos a edição da MP 998 com temas considerados mais urgentes. Surge também a perspectiva de que o PLS 232, cuja discussão começou ainda em 2016 com a CP 33, dê passos importantes no Congresso Nacional ainda este ano.

Em seu discurso de abertura, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, afirmou que tem interagido com o Congresso Nacional. O legislativo, revelou ele, tem sinalizado pela aprovação ainda este ano do PL que derivou da CP 33. Atualmente, a matéria está no Senado Federal e caso se confirme esse movimento, irá para a Câmara dos Deputados.

O ministro lembrou das ações que já foram tomadas desde o início de 2019. Dentre elas a edição da MP 950, da MP 998, bem como a racionalização de concessão de subsídios. E ainda, o preço horário que entrará em vigor em 2021, que a seu ver trará maior eficiência ao setor com preços mais aderentes aos custos de operação, podendo viabilizar entre outros temas o armazenamento de energia e a resposta da demanda. Ele disse estar otimista de que as reformas e políticas adotadas, decorrente de discussão com o mercado e agentes, farão com que o setor saia mais fortalecido.

“Há muito a ser feito, há sinais de retomada, pois o consumo de energia e inadimplência se mostram similares a 2019, permitindo-nos focar nas ações focadas na retomada da economia. Desse modo, seguir com a pauta de abertura gradual e equilibrada do mercado, buscando garantir com segurança a expansão, melhor alocação de custos, racionalização de subsídios e preservação dos contratos existentes”, discursou Albuquerque.

A secretária-executiva do MME, Marisete Dadald, ressaltou que nos últimos 20 anos o setor elétrico viu o incremento das renováveis, o aumento do número de agentes no mercado livre e que isso desafia o governo a procurar soluções inovadoras e de menor custo global para a sociedade. “Isso tudo aumenta a complexidade do planejamento. Temos que fazer nossas políticas com diálogo e transparência, e acima de tudo, entregar melhores soluções a preços competitivos”, indicou a número 2 do MME.

Entre as prioridades do MME está a aprovação da MP 998, que o governo convencionou chamar de MP do Consumidor, cujo vencimento ocorrerá no início de janeiro de 2021. Marisete reforçou que esta medida reúne iniciativas para combater uma tarifa elevada. E que a questão da retirada de subsídios foi uma ação antecipada no texto, que também está no PLS 232, por ser considerada urgente e busca antecipar os benefícios, mas de forma isonômica e com previsibilidade.

Acontece que essa ida ao Congresso Nacional não deveria ser tão recorrente, por ser um caminho que encontra outras pautas do país. Por esta razão acaba levando mais tempo para entrar em vigor. Segundo análise do presidente do Fórum das Associações do Setor Elétrico, Mário Menel, são muitos pontos inseridos nas legislações do setor elétrico, o que acaba por atrapalhar sua tramitação. Para ele, os projetos devem ser apresentados de modo em que o poder concedente e o regulador fiquem responsáveis pelos detalhamentos e ajustes nas leis, através de atos infralegais.

“Temos que diminuir a carga dos nossos legisladores, evitar de levar tantos assuntos e resolver muito mais dentro do ministério e da Aneel e talvez criar um órgão de recorrência antes de ir para o judiciário”, afirmou Menel.

Apesar de o governo apontar que espera e trabalha pela aprovação da MP 998, para Marcelo Moraes, presidente da Dominium Consultoria, o fato de ainda nem ter sido definido um relator para a matéria indica que este não é uma prioridade para o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Contudo, acredita que poderá ser votada antes do encerramento de sua vigência, apesar do ‘aperto’ do calendário e da pauta no Congresso Nacional.

Discussões à parte, uma enquete feita durante o Enase com a audiência do evento apontou que 63% consideram que a modernização do setor elétrico avança em um ritmo lento. Para 32% está adequado, 4% assinalaram como ritmo acelerado e apenas 1% não opinou. E para 51% do público participante de enquete, o PLS 232/CP 33 é considerado o meio mais adequado para tratar do tema. O projeto do Código Brasileiro de Energia Elétrica foi citado por 25% dos entrevistados, enquanto 8% defenderam uma nova medida provisória.

Nova Matriz

Paralelamente, o caminho para a matriz elétrica do futuro está lastreado pelos planos de longo prazo. O principal deles é o Plano Nacional de Energia 2050 (PNE 2050), que está aberto para contribuições. Capitaneado pela Empresa de Pesquisa Energética, a discussão acerca de como será o setor do futuro têm como base a questão climática. O presidente da EPE, Thiago Barral, citou a importância de se definir um plano de gestão abrangente desses impactos, bem como evitar decisões que limitem a penetração de novas tecnologias.

Segundo ele, o planejamento energético de longo prazo está apoiado em quatro pilares: segurança energética, competitividade, redução do impacto socioambiental e desenvolvimento socioeconômico. Os principais desafios do Brasil envolvem realizar as reformas no mercado de energia visando dar maior dinamismo e melhorar a alocação de custos, riscos e benefícios no sistema.

Nesse caminho para uma matriz nova, o vice-presidente de Geração e Comercialização da CTG Brasil, Evandro Leite, disse que a maior parte das distorções criadas no mercado de energia é o resultado de soluções pontuais que desconsideraram questões estruturais e de longo prazo. Nesse sentido, destacou a contratação de energia de reserva que gera um impacto enorme sobre o MRE [Mecanismos de Realocação de Energia] e que considera desnecessário.

O gás tem aumentado de importância ao passo que uma política para o combustível avança no país e a demanda por incentivo às térmicas aumenta, sendo este o energético para o período de transição para a economia de baixo carbono. Camila Schoti, head da Eneva Comercializadora, questionou por quanto tempo a fonte terá esse papel fundamental para acomodar a entrada de novas tecnologias de geração e armazenamento de energia. Até mesmo as térmicas a carvão podem ter papel na matriz ao passo que o processo de captura de carbono avança. Quem apontou isso foi o presidente da Associação Brasileira do Carvão Mineral (ABCM), Fernando Zancan.

Na avaliação de Flavio Neiva, presidente da Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica (Abrage), está claro que a expansão hidrelétrica continuará, porém, de uma forma menos acentuada do que foi no passado. No entanto, destacou a importante contribuição elétrica da fonte para a segurança do suprimento de energia do país. Nesse escopo estão os serviços que as usinas têm capacidade de fornecer ao sistema, como inércia para segurar a frequência do SIN.

Por sua vez, Celso Cunha, presidente da Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares (Abdan), criticou a política e classificou-a como “vagalume”. Segundo ele, a falta de continuidade dificulta a captura dos ganhos de escala e benefícios que a pesquisa nuclear pode gerar para o Brasil.

Já em transmissão, que terá um papel contínuo de atribuir flexibilidade ao SIN, Mário Miranda, presidente da Associação Brasileira de Transmissores de Energia Elétrica, destacou a importância de se também ter um olhar estratégico sobre a modernização das linhas e subestações de energia. “Temos que olhar as mudanças climáticas também pelo aspecto da transmissão, os ventos estão mudando e a troca de calor também”, pontuou.

À parte da configuração de como será o setor elétrico do futuro, Barral, da EPE, apontou a separação contratual de lastro e energia como um item fundamental para esse processo de modernização. Tanto que a EPE trabalhou para detalhar o tema. E avaliou ser necessária uma medida estrutural para o tema, não apenas solução transitória, por conta de uma remuneração adequada dos serviços prestados pelas fontes e que seja estabelecida uma estrutura correta de obrigações para atender os sistemas e garantir uma expansão sustentada do mercado livre.

Em sua participação no evento, o secretário de Energia Elétrica do MME, Rodrigo Limp, destacou o protagonismo que o mercado livre de energia vem ganhando nos últimos anos no Brasil. E essa ação ocorre pelo lado de obter uma gestão mais eficiente dos custos e na assunção de parte importante da expansão da matriz elétrica renovável. Entre 2012 e 2015 foram 7.082 migrações de consumidores do ACR para o ACL. Entre 2016 e 2019, esse número disparou a 18.107. O consumo subiu dos históricos 30% para 34% do total. E ainda que, 35% dos projetos de geração foram viabilizados com alocação de energia no mercado livre.

Está justamente na expansão do ACL o futuro do setor elétrico nacional. Essa visão reforçada pelo ministro Bento Albuquerque encontrou reverberação na apresentação do CEO da PSR, Luiz Barroso. A tecnologia e a economia de baixo carbono continuam a ter um papel fundamental nesse processo. Para ele, características como integração, flexibilidade e adaptabilidade são atributos empresariais classificados como essenciais. A separação entre o lastro e a energia também ganha destaque ao lado da abertura.

Até porque, segundo dados apresentados pelo executivo da PSR, a tarifa cativa na baixa tensão residencial, incluindo impostos, está na casa de R$ 770/MWh. Mesmo na alta tensão no consumidor A4 azul e A2 azul estão em patamares mais elevados, R$ 582 e R$ 491/MWh do que no mercado livre.

“Embora a tarifa de energia efetivamente tenha redução com a inserção das fontes renováveis, a grande verdade é que o custo marginal dessas fontes e o custo marginal de expansão do setor são menores do que temos no ACR”, comentou Barroso. “Vemos um excesso de oferta que fisicamente impacta os custos no curto prazo. As possibilidades e perspectivas de preço menor nesse ambiente precifica o ACL”, destacou.

Na sua avaliação, está na distribuição a maior necessidade de cuidados, pois o monopólio natural das concessionárias está ameaçado. Assim, disse Barroso, o futuro desse segmento passa pelo papel de ser o organizador comercial, “um marketplace da comunidade energética com modelo de negócios diferentes”, definiu. Enquanto isso o consumidor passa a ser cliente, participando mais ativamente do setor.

Há consonância dessa avaliação com os CEOs de empresas do setor. Para os executivos que participaram do Enase, a mudança deve ser feita de forma coordenada e holística. Miguel Setas, da EDP no Brasil, classificou a abertura de mercado como um dos pilares dessa modernização e que ela também será forçada pela tecnologia, com o modelo das distribuidoras tendo que ser redesenhado. “Essa distribuidora vai ser alguém que vai operar localmente sistemas de forma articulada, ela tem que ter um quadro regulatório diferente”, afirmou.

Mario Ruiz-Tagle, CEO da Neoenergia, corroborou essa análise e destacou ainda que há a necessidade da separação da distribuição e da comercialização de energia. Para ele, os investimentos em tecnologia deverão ser vultosos na modernização, principalmente na medição em um mercado liberalizado para o cliente residencial.

“Essa distribuidora vai ser alguém que vai operar localmente sistemas de forma articulada, ela tem que ter um quadro regulatório diferente”, Miguel Setas da EDP Brasil

Assim, a operação do sistema passa a ser, ainda mais, uma questão central. Para organizar esse verdadeiro emaranhado de redes, de usinas de menor porte e fluxo bidirecional da energia no futuro, a certeza que o Operador Nacional do Sistema Elétrico tem é de que essa atividade será cada vez mais complexa.

Segundo o diretor de Planejamento do ONS, Alexandre Zucarato, a operação da nova matriz elétrica aponta para um cenário de geração compulsória. Esse cenário, continuou ele, torna imprescindível harmonizar essas restrições com o planejamento da operação do sistema. Em um universo de médio prazo, o operador enxerga o aumento da participação das renováveis não convencionais, o avanço das hidrelétricas sem reservatório e a redução da capacidade de regularização. Já na análise de longo prazo, citou um estudo contratado pela agência alemã GIZ sobre a integração da energia renovável na matriz brasileira que sinaliza a importância das UHEs para possibilitar a penetração em larga escala de fontes variáveis como eólica e solar.

Para o diretor geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico, Luiz Carlos Ciocchi, a redução de carga que o país verificou este ano por conta da pandemia de covid-19 abre uma oportunidade para o país discutir a modernização do setor elétrico. E as térmicas mais caras, cujos contratos estão vencendo podem ser utilizadas como reserva de potência que o país precisa, uma vez que a perspectiva é de que o consumo de energia ficou em um patamar 5 mil MW médios mais baixo. O executivo disse ainda que o tema flexibilidade para a operação é um item importante para a operação.

“Os investimentos em tecnologia deverão ser vultosos na modernização, principalmente na medição em um mercado liberalizado para o cliente residencial”, Mário Ruiz-Tagle, da Neoenergia.

Foco no agora

Apesar do foco no longo prazo. O Enase ainda debateu a agenda de 2020/2021 como a governança para, entre outros objetivos, equilibrar o sistema em meio a pandemia de covid-19, que foi uma das mais importantes crises pela qual o setor passou nos últimos 20 anos.

No painel com autoridades do setor, o destaque se deu pelas medidas mitigatórias que resultaram na conta covid, que foi adotada para auxiliar o setor com liquidez em um momento de queda expressiva do consumo e de aumento da inadimplência. Na análise do diretor geral da Aneel, André Pepitone, as ações foram rápidas para o combate aos efeitos da pandemia.

Como entrega ele citou nove itens. Estão na lista alguns pontos de discussão que datam de anos atrás e outros mais imediatos. Constam da lista a redução de subsídios, abertura do mercado, redução tarifária, preço horário, suspensão do corte, conta covid, resolução do GSF, cadastro positivo e PIX, e ainda a MP do consumidor. “A lição que fica com essa lista de resultados é que a boa governança constrói os melhores caminhos e é capaz acelerar a agenda de reformas do setor”, disse Pepitone.

O presidente do Conselho de Administração da CCEE, Rui Altieri, sempre apontou a questão do GSF como a prioridade da entidade. No momento, espera pela regulamentação na Aneel, mas sinalizou que a solução do tema passa pela concessão de parcelamentos para a liberação desses recursos.

A CCEE ainda vem trabalhando na questão do MRE e defende a mudança desse mecanismo como forma de preparar o mercado para o futuro, já que a solução dada olha apenas para o passado. “O MRE é um mecanismo brilhante, precisa apenas de ajustes. Precisamos alterar a forma de contratação de Angra 3, esse tema eu defendo desde o Enase do ano passado. O impacto será muito forte, pois é considerada energia de reserva, se mantiver assim traz uma série de dificuldades”, lembrou Altieri em sua participação, citando ainda a necessidade de viabilizar a figura do comercializador varejista.

Segurança e financiamento

Aliás, a questão da segurança de mercado foi um dos temas do Enase. A CCEE, inclusive, abordou a NT que apresentou à Aneel com novas sugestões, a principal delas e que recua quanto a chamada de margem semanal. O executivo admitiu publicamente que “não adiantava insistir numa proposta que não iria para frente”.

A CCEE deve concluir em até uma semana uma terceira nota técnica com medidas de aprimoramento da segurança do mercado livre, que deverá passar por uma avaliação de associações do setor antes de ser apresentada à Aneel. Duas outras notas com um conjunto de propostas já foram entregues e a previsão é de que esta última chegue à agência até o dia 10 de novembro. O recuo ante a chamada de margem estava na primeira nota, destacou a conselheira Roseane Santos.

“O que eu gostaria é que a gente estivesse com essa nova segurança de mercado implementada até o primeiro semestre de 2021, com regras de transição. Eu não acredito em uma virada de chave, que eu vou publicar e ato continuo [aconteça], assim como foi o PLD horário”, afirmou ela ao detalhar o conjunto que compõe a proposta.

Outra medida que está na pauta de discussões há anos é a questão da bolsa de energia. Pelo lado das comercializadoras, Reginaldo Medeiros, presidente da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), destacou que havia uma ideia de que seria necessária uma clearing house como forma de abrir o mercado com segurança. Para o executivo, essa será uma evolução para o setor.

Medeiros comparou a situação do Brasil com outros países ao afirmar que um dos problemas no mundo é da dominância de comercializadoras ligadas a grandes grupos econômicos, um fator que não ocorre por aqui. “Não vemos problemas nisso desde que o mercado seja seguro. Isso é uma virtude do mercado e não defeito”, defendeu.

Pouco antes de entrar em uma reunião no MME, o presidente da Abraceel ainda cobrou que as regras devem ser claras para as comercializadoras. E lembrou que a questão da governança da CCEE também deve ser discutida, ainda mais agora que o mercado financeiro se aproxima do setor elétrico. Mas elogiou a disposição da entidade em dialogar com o mercado, focado na evolução do setor para solucionar os problemas.

No sentido de ampliar a segurança do mercado está a chegada dos mecanismos do mercado financeiro no país. Mais notadamente os contratos de derivativos por meio do BBCE e da B3.

Carlos Ratto, CEO do BBCE, comentou que os desafios são muitos no setor. O monitoramento é importante e a segurança de mercado, na medida certa, deve ser tomada para não ‘engessar’ o mercado para o seu desenvolvimento, mas sem fragilidades. E ressaltou ainda que as ações têm que ser tomadas com a participação direta do mercado. Ele lembrou que há um giro de cinco a seis vezes de contratos quando comparado ao volume físico. “Esse giro mostra que há oportunidade de mercado de derivativos, pois é negociação de preços. O derivativo é o ambiente mais natural para esses contratos, e deverá evoluir como em outros países. E no futuro criar as condições para chegar à bolsa de energia”, avaliou.

“Esse giro de contratos de 5 a 6 vezes o físico mostra que há oportunidade de mercado de derivativos, pois é negociação de preços. O derivativo é o ambiente mais natural para esses contratos”, Carlos Ratto, do BBCE

Por sua vez, Juca Andrade, vice-presidente de Produtos e Clientes da B3, que também negocia contratos de derivativos, disse que teve conversas com o mercado para aplicar uma ferramenta que a entidade já desenvolveu por ser uma contraparte central para calcular o nível de exposição de riscos e outros indicadores, um produto que teria adesão voluntária. A lógica dessa ferramenta compara o risco de um participante do mercado com base em sua capacidade econômica. “Isso vai em direção à nota técnica 3 da CCEE de segurança de mercado”, destacou.

Roseane Santos comentou que a CCEE não tem intenção ou competência legal de monitorar o mercado de derivativos. Contudo, há interesse em saber se um player estiver alavancado e representar risco para o mercado físico, ameaçando a sua estabilidade.

Já pelo lado dos investidores a questão do financiamento de projetos e a comercialização dessa energia no âmbito de um novo modelo que está previsto na modernização ganha forma. Ainda mais no futuro que se vislumbra que é de um mercado cada vez mais aberto e descentralizado.

Rodrigo Limp, do MME, disse que nesses dois temas observamos aumento de financiamento via debêntures. “O setor elétrico é um dos principais segmentos da economia financiado via esse mecanismo e isso deverá se intensificar”, disse ele, que considera este o caminho para agregar um maior número de players e instituições financeiras participando.

Limp citou o mercado de derivativos como forma de incluir liquidez no setor elétrico. Relacionou a autoprodução como uma forma de desenvolver novos projetos de geração de energia no país e uma importante fonte de inovação para a modernização do setor. Ressaltou ainda a participação do BNDES como fonte de recursos para projetos no ACL com o PLD Suporte e não mais pelo método anterior, o PLD mínimo.

Élbia Gannoum, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), lembrou que tivemos recentes avanços no setor de energia, não apenas o elétrico. Nesse cenário, comentou, há motivos para comemorar o presente e com boas perspectivas no futuro. Em sua análise, o modelo de ‘renda fixa’ que eram os PPAs no ACR, não é mais o caminho e sim o mercado livre e suas alternativas, “um admirável mundo novo que exige instrumentos financeiros mais sofisticados”, apontou.

Para o presidente da Associação Brasileira dos Autoprodutores de Energia (Abiape), Mário Menel, a palavra chave para o setor é a atração de investimentos já que o governo não tem mais condição de garantir essa expansão. Então, continuou, temos que ter um ambiente para o capital privado. “Fomos felizes em atrair o sistema financeiro para perto. Antes era apenas contrato de longo prazo no ACR”, disse o executivo. Para ele, está no PLS 232 o projeto que melhor espelha aquilo que foi a CP 33 em direção à modernização do setor.

Guilherme Velho, presidente da Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Energia Elétrica (Apine), destacou que há necessidade de que o modelo de separação de lastro e energia permita a expansão mais diversificada por fonte. Alertou que não deve privilegiar apenas a mais barata, que é a opção natural dos consumidores. “Não posso ter apenas uma fonte que é excelente do ponto de vista ambiental a e não tem capacidade de atender a requisitos do sistema elétrico”, defendeu. E corroborou Menel ao considerar que o PLS 232 reúne as condições para esse caminho.

Charles Lenzi, presidente da Associação Brasileira de Geradores de Energia Limpa (Abragel), concorda com os pontos apresentados e ressaltou que há preocupações com as PCHs nesse ambiente. A expansão, disse ele, é um desafio nesse modelo em que saem os leilões onde o PPA era o grande responsável por obter os recursos para um outro onde importante parcela está no ambiente livre. “Nossa preocupação é de como encontrar alternativas e arranjos financeiros que substituam o PPA, pois os investidores característicos desse segmento são de pequeno porte e que podem encontrar dificuldades em encontrar financiamento”, disse ele.

Edmundo Pochmann, diretor da Associação Brasileira de Geradoras Termelétricas (Abraget), destacou que a entidade tem atuado e trabalhado em relação à questão sobre lastro e energia. Segundo ele, essa atuação tem como foco mostrar qual seria o modelo para que essa separação entre forneça energia suficiente para o atendimento, mas que também proporcione confiabilidade e segurança, que esses itens sejam contratados de forma adequada e com a remuneração por serviços ao sistema.

A discussão dos subsídios também ganhou repercussão na discussão. Para a o diretor de Tecnologia e Regulação da Associação da Indústria de Cogeração de Energia (Cogen), Leonardo Caio, é justo que se elimine os subsídios, mas desde que seja para todas as fontes, o que vai trazer competitividade para todas juntas. “Não seria correto acabar para uma fonte e permanecer para outras”, avaliou.

Paulo Arbex, presidente da Associação Brasileira de PCHs e CGHs (AbraPCH), defendeu a volta dos investimentos na fonte hídrica pelos benefícios proporcionados para a sociedade. Como entraves, se queixou ainda de que as PCHs pagam 30% a mais impostos que as usinas eólicas e solares e o GSF seriam problemas menores que a intermitência dessas fontes.

No caso da Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (Abren), o presidente da entidade, Yuri Shmitke, questionou se era justo o fim dos subsídios de uma fonte que ainda nem começou, no caso, as usinas waste to energy. Segundo ele, um estudo encomendado pela entidade chegou à conclusão de que essas usinas proporcionam R$417/ MWh de custos evitados e ficam abaixo do custo de despacho verificado das térmicas no PMO de março.

Para o presidente da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres (Abrace), Paulo Pedrosa, o mercado deve ser de oportunidades e não de oportunismos, com soluções que barateiem a energia e não com aquelas que desloquem os custos para os grandes consumidores, principalmente os industriais. “Precisamos lembrar que tudo existe para trazer previsibilidade, competitividade e segurança para o consumidor”, observa. Segundo ele, deve partir do mercado a valorização do preço, do atributo e a alocação correta do risco. “Esses mantras devem partir do mercado de energia para que o mercado de derivativos e financeiro seja virtuoso e não seja só uma oportunidade criada”, aponta.

Eletrobras

A grande maioria da audiência do Enase 2020 apontou que a privatização da Eletrobras é um tema importante para o setor elétrico. A opção relevante recebeu 31% das opiniões. Já outros 45% indicaram esse assunto como muito relevante. Essa medida foi também apontada pelo ministro Bento Albuquerque como uma das prioridades do governo. A meta é a de transformar a estatal em uma corporation, comparável a outras empresas em nível global que, inclusive, atuam aqui no Brasil, como a EDP e Enel.

O presidente da estatal, Wilson Ferreira Junior, lembrou que apesar da melhoria de todos os indicadores da companhia, a medida se faz necessária uma vez que não há capacidade de investimento ao ponto de a empresa manter sua participação de mercado. Ele ressaltou que atualmente a elétrica tem como “limite” de investimento anual um valor de R$ 3,6 bilhões, mas o volume necessário para apenas manter seu market share estaria na casa de R$ 14 bilhões ao ano. Para Ferreira Júnior a capitalização da empresa é uma medida simples e que é trivial no mercado, pelo seu porte deverá demorar de 120 a 150 dias. A questão mais demorada é a da aprovação do projeto que autoriza essa venda no Congresso Nacional.

O sentimento é de que esse caminho pode estar chegando a uma etapa decisiva. A mensagem do ex-ministro de Minas e Energia e atual deputado federal Fernando Coelho Filho (DEM-PE) é de que o governo já teria os votos suficientes para que o PL que autoriza a privatização da Eletrobras. Para ele, o crescimento na avaliação do atual governo federal sinaliza uma melhoria no ambiente, contudo a votação ficou para 2021 em decorrência das ações do Congresso Nacional que priorizam o enfrentamento à covid-19 e da proximidade das eleições municipais com o final do ano.

“Esse assunto está demorando mais do que gostaríamos, mas precisamos persistir nessa medida”, comentou ele em sua participação em vídeo gravado para o Enase 2020. “Acredito que não será problema de votos [para aprovar o projeto], sempre terá discussão, mas é um projeto que está maduro”, comentou ele.

No mesmo painel, o ex-ministro da Fazenda, economista e membro do conselho de administração da Comerc, Maílson da Nóbrega, comentou que a privatização da Eletrobras só traz vantagens ao país. Ele citou entre outros pontos a possibilidade de ser uma empresa mais ágil e sem o peso do governo, perspectiva de ter capacidade de atrair e reter talentos do mercado e a redução de uma volatilidade administrativa em relação à suscetibilidade de nomeação de uma diretoria por indicação política.

Consumidor vira cliente

O setor elétrico do futuro é apontado como um ambiente em que o consumidor passa a ser cliente, que é empoderado pela tecnologia. Mas essa discussão sobre a modernização do setor elétrico não deve acabar após a publicação do novo modelo. Para o diretor da Thymos Energia, Alexandre Viana, a evolução tecnológica vai fazer com que o debate regulatório seja constante, assim como acontece com a tecnologia.

Para o diretor da Thymos, no futuro o avanço tecnológico proporcionará um conceito que a energia seja apresentada aos consumidores com uma espécie de serviço. “A energia deixa de ser produto e passa a ser comercializado como um plano de celular ou de internet, com o consumidor comprando a energia dentro de um pacote de serviços”, avaliou. Essas alterações deverão mudar a forma como se organiza e regula o mercado, além do gerenciamento das redes.

“A energia deixa de ser produto e passa a ser comercializado como um plano de celular ou de internet, com o consumidor comprando a energia dentro de um pacote de serviços”, Alexandre Viana, da Thymos Energia.

E acrescentou que a formação tradicional do setor de utility scale, com a geração centralizada longe da carga, transmissão e consumo, está mudando. Cada vez mais veremos no setor elétrico o uso de novos sistemas de comunicação, inteligência artificial, smartphones e veículos elétricos. O consumidor vai querer ter poder sobre o seu consumo. Isso já está acontecendo no mundo e vai acontecer no Brasil”, comentou.

Porém ainda existe a necessidade que entraves sejam solucionados para que esse consumidor do futuro tenha uma tarifa mais barata e possa aproveitar todas as vantagens que o novo modelo trará. O presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace), Carlos Faria, alertou que problemas como a sobrecontratação, que pode chegar a R$ 50 bilhões e emendas à MP 998, que chegam a manter ou até aumentar os subsídios, não trazem bons sinais.

O debate sobre as regras de geração distribuída, que está em discussão desde o ano passado, ultrapassou os domínios da regulação e foi para o campo político, com deputados apresentando projetos sobre o tema. Segundo Agnes Costa, chefe da Assessoria Especial em Assuntos Regulatórios do Ministério de Minas e Energia, todos esses projetos estão sendo mapeados para que sejam discutidos e incorporados ao projeto de modernização do setor. “Nosso papel é contributivo nesse debate junto ao legislativo”, comentou.

A GD é um tema que enfrenta um embate com o setor de distribuição. Marcos Madureira, presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), criticou a temática da GD ter virado pauta política. “Levar questões técnicas para serem discutidas no ambiente político é um fracasso para o setor elétrico”, apontou. O executivo quer a separação entre a comercialização do mercado regulado e a distribuição de energia. Ele destacou durante sua participação que o mercado regulado hoje sustenta o lastro de energia e que migrações para ACL ou GD acabam por deixar a tarifa mais cara.

Por seu lado, o presidente da Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD), Carlos Evangelista, defendeu que o país precisa se inserir no século 21. Ele considera que o prosumidor de energia está cada vez mais empoderado e a tendência é que vá aumentar sua participação no segmento comparando com o que aconteceu no mercado de telecomunicações.

Mesmo com sucesso e êxito classificados como inegáveis, a GD precisa de aprimoramentos, é como avaliou o presidente da Associação Brasileira das Companhias de Energia Elétrica (ABCE), Alexei Vivan. Ele citou o Código Brasileiro de Energia, em tramitação na Câmara, que trata da GD na parte de inovação tecnológica. “Temos que ter um cuidado do que está sendo proposto e dos impactos regulatórios que isso possa ter”, alertou.

Nessa discussão, o diretor geral da Aneel, André Pepitone, ressaltou que a revisão da REN 482 pela agência reguladora, continua na agenda regulatória, classificando-o como um dos principais temas a serem tratados.

Um dos motivos pelos quais a discussão na agência parou foi o pedido do Tribunal de Contas da União e sua preocupação com os impactos sobre as tarifas de energia. “Estamos nesse compasso: a regra continua a mesma de 2015 e estamos aguardando a política pública que virá do Congresso Nacional acerca do tema e ainda tem o TCU. A modelagem atual não é equilibrada quanto a alocação de custos e precisamos endereçar essa solução”, confirmou Pepitone.

Por Maurício Godoi e Pedro Aurélio Teixeira