Geração volta a ganhar fôlego este ano
Renováveis impulsionarão expansão do setor até 2024
29/10/2020

Valor Econômico - 29.10.2020 - O ano de 2020 gerou menos energia e mais problemas para o setor elétrico Brasileiro. Houve queda de consumo, aumento da inadimplência no mercado livre e das distribuidoras, além de atrasos nas importações de equipamentos para as Usinas, o que poderá causar problemas em relação ao cumprimento legal de prazos estabelecidos nos contratos. Ainda assim, passada a fase mais aguda da crise desencadeada pela pandemia da covid- 19, o setor começa a dar sinais de recuperação.

A geração de energia Elétrica no país, que chegou a cair mais de 10% em virtude das medidas de isolamento, ganhou fôlego, crescendo 4,9% na primeira quinzena de outubro em relação ao mesmo período do ano passado, a maior variação positiva até o momento. “A perspectiva é de que continue subindo entre 3% e 4% até o fim do ano, comparados à carga do ano passado. Isso, com o isolamento cada vez menor e com a chegada do verão e do calor”, diz Luiz Carlos Ciocchi, diretor-geral do Operador nacional do Sistema Elétrico (ONS). Há razões para justificar o otimismo. “A retomada vem acontecendo desde julho, mais rapidamente que o previsto”, afirma Alexei Vivan, diretor presidente da Associação Brasileira de Companhias de energia Elétrica (ABCE) e advogado especializado no setor. Tal cenário consolidou-se em outubro, o que permitiu ao setor trabalhar com projeções de aumentos sucessivos para o último trimestre do ano. No mês, houve expansão na geração das Usinas hidrelétricas (16,9%) e fotovoltaicas (11%). Já eólicas e térmicas apresentaram quedas, pela ordem, de 16,8% e 13,4%.Pode parecer estranho, à primeira vista, que em pleno ano de pandemia o consumo de energia, nos últimos meses, seja superior ao do ano passado. Um dos motivos para justificar tal comportamento está no clima e na correlação direta entre temperatura e consumo de energia. O calor de verão nesta primavera de 2020 aumentou a demanda por refrigeração elétrica, tanto em residências quanto na indústria, cujos processos produtivos passaram a consumir mais energia para resfriamento das máquinas. Outro motivo está na recuperação da economia no segundo semestre do ano.

“Muitas indústrias zeraram a produção (nos meses mais críticos), mas não as vendas. Passaram a vender seus estoques e agora, com a retomada, tiveram que produzir para atender à demanda, o que exige mais energia”, disse Marcelo Habibe, CFO da Eneva, empresa de geração termelétrica, com parque gerador com 2,2 GW de capacidade instalada e operadora de dez campos de gás natural em bacias localizadas no Maranhão e Amazonas. Até outubro, a capacidade instalada no país aumentou 3.253 MW, com a entrada de novas Usinas em operação, de acordo com a Agência nacional de energia Elétrica (Aneel). A fonte térmica foi destaque, com 1.645 MW, a maior parte em função da entrada em operação da termelétrica Porto Sergipe I, com capacidade de gerar 1.551 MW. Os parques eólicos somaram 974 MW de acréscimo de capacidade instalada e as Usinas fotovoltaicas 623 MW. Não houve novas hidrelétricas. Há em construção, entretanto, 123 Pequenas Centrais hidrelétricas (PCHs), com potência de 1.692 MW. Até dezembro, outros 1.066 MW devem se somar ao parque elétrico do país de 164 GW. Com isso, 2020 encerraria com 4,7 GW em novas Usinas adicionadas, um resultado modesto.

A previsão para 2021 é de 6,7 GW. “As PCHs são importantes para ajudar a expandir a capacidade de forma renovável”, disse Charles Lenzi, presidente da Associação Brasileira de Geração de energia Limpa (Abragel). As projeções para 2024, conforme informou o ministério de Minas e energia (MME), apontam para a entrada em operação de mais de 25 GW provenientes de fontes renováveis que vão demandar R$ 70 bilhões em investimentos. Já as térmicas a gás devem ampliar em 28% a capacidade de geração, com base nos contratos de leilões realizados até o momento. Este ano, os investimentos previstos em expansão da geração foram estimados em cerca de R$ 9 bilhões. Para 2021, serão R$ 16 bilhões, segundo o MME. A expectativa do setor para 2020, entretanto, é de encerrar o ano com retração em torno de 3% no consumo de energia, o que não é muito, dado o impacto sofrido no início do isolamento social. No pico da pandemia, em abril, o consumo de energia Elétrica chegou a cair 12,1%, semelhante à queda de 11,4% do PIB no segundo trimestre do ano (na comparação com o mesmo trimestre de 2019), demonstrando a estreita relação entre eles.“É como se nós tivéssemos desligado duas cidades Brasileiras, Rio e São Paulo, juntas e ao mesmo tempo, no período de uma semana”, diz Ciocchi. “Nunca acontecera isso na nossa história.” A partir daí, o ONS começou a lidar com outro fator inusitado: dispor de uma geração muito maior em capacidade do que o consumo demandado.

A demanda de eletricidade, conforme dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), caiu 8,3% no segundo trimestre de 2020, em relação ao mesmo período de 2019. A maior queda ocorreu no setor comercial, de 21,5%, seguida pelo industrial, de 11,8%. Em contrapartida, o consumo residencial cresceu 2,8% em relação ao mesmo período do ano anterior, reflexo das medidas de distanciamento, que levaram boa parte da população a adotar uma quarentena doméstica, com o sistema de home office. A queda expressiva do consumo por energia torna-se um problema grave porque o planejamento da demanda é feito com cinco anos de antecedência, assim como todo o valor calculado dos investimentos. Este ano, aliás, foi o primeiro no qual o complexo de hidrelétricas da região Norte - Belo Monte, Santo Antônio e Jirau - estavam integralmente prontas para operar a plena capacidade, de 18 mil MW, para levar a energia do Norte ao resto do país. “Esta foi outra grande frustração”, diz Ciocchi.

Houve dificuldades de inadimplência no mercado livre, diz Alexei Vivan, em função de contratos que foram rompidos, levando as geradoras, que contavam com a receita, a negociarem com seus clientes uma saída para o impasse. O mercado, segundo ele, acabou se ajustando. Não foi, contudo, uma questão banal. “O ano deu um susto muito grande. Ficou claro que não dá para vender para qualquer um”, diz Habibe, da Eneva. Segundo ele, muitas geradoras que tinham vendido energia, hipoteticamente, a R$ 180 o MWh, viram-se, de uma hora para outra, sem comprador para a energia gerada. Como não tinham para quem vender, recorreram à liquidação no mercado spot por algo em torno de R$ 40,00. No fim das contas, tiveram que renegociar contratos com decréscimo significativo de receita. “O primeiro grande aprendizado é que o mercado regulado é bem mais seguro”, sustenta o executivo da Eneva, empresa que, segundo ele, não enfrentou esse tipo de problema. Passado o vendaval, Habibe está otimista em relação à recuperação da economia e no consequente crescimento do consumo de energia. Ele aposta na realização de novos leilões de energia em 2021. A Eneva está se posicionando para participar das próximas rodadas. Nos dois últimos anos, ganhou projetos desenvolvidos este ano; Parnaíba V (385 MW), Azulão-Jaguatirica (141 MW) e Parnaíba VI (92MW), com investimentos de mais de R$ 3,5 bilhões. “Acabamos esse ciclo de investimentos em 2021”, diz. Mas a crise levou a uma paralisação das atividades dos fornecedores e, com isso, a Eneva se viu forçada a interromper as obras por algumas semanas.

O complexo integrado Azulão-Jaguatirica integra a exploração e produção de gás natural à comercialização de energia, com Usinas instaladas próximas aos campos produtores. Apesar da expectativa do setor, ainda não há anúncios de novos leilões de energia. Claudio Gonçalves, sócio da Kearney Brasil, acredita que o abrandamento da demanda aumente a interrogação em relação à realização de leilões em 2021. Se não houver, a tendência é o surgimento de um mercado secundário, ou seja, fusões e aquisições.“Vimos a tentativa da Eneva de comprar a AES Tietê e alguns ativos de renováveis que trocaram de mãos. As empresas precisam crescer, se não for via mercado primário, os leilões, será via mercado secundário”, diz.

Nesse cenário, grupos com maior fragilidade financeira acabam ficando expostos e vendendo seus ativos. Juros baixos e real desvalorizado frente ao dólar e ao euro tornam os ativos Brasileiros ainda mais atrativos, baratos, para o investidor estrangeiro. “São oportunidades únicas e os fundos de investimentos estão atentos”, conclui o consultor da Kearney Brasil, Rubens Ferreira.

Outro tema que tem agitado o setor é a regulamentação de usinas híbridas, em fase de consulta pública na Aneel. A discussão desperta o interesse dos autoprodutores de energia, que vislumbram a otimização de seus investimentos, com o fim da ociosidade. Isso, a partir da complementariedade de fontes de geração, já que uma única linha de transmissão será capaz para levar energia eólica, produzida entre 18h e 6h, e solar, que gera energia durante o dia. Ou seja, dobrar a capacidade. Mario Menel, presidente da Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia (Abiape) observa que os autoprodutores estão em fase de expansão, olhando com otimismo a retomada da oferta de energia e aguardando as usinas híbridas. “Eles estão se mobilizando para investir mais”, disse. Hoje, empresas associadas à Abiape, como Vale, Votorantim, Honda, Suzano e CSN, geram mais de 10 GW, provenientes de diversas fontes de energia renovável. Produzir com geração limpa é um dos fatores que garante maior competitividade das empresas no mercado global.

Renováveis impulsionam expansão do setor até 2024 - A expansão da capacidade instalada de geração elétrica no Brasil virá de energias renováveis, conforme o Plano Decenal de Energia, que traçou metas para o setor até 2024. Mais especificamente, de fontes eólica e solar. Hoje, os 660 parques eólicos, a maior parte na região Nordeste, contam com uma capacidade instalada de 17 GW e oito mil aerogeradores em operação. Se concretizadas as metas previstas, a matriz elétrica brasileira ampliará a participação de fonte eólica dos atuais 9,7% para 11,6% (24GW) e de solar de 1,8% para 3,3% (7GW), em 2024, de acordo com dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).