Cenário ‘crítico’ indica déficit de oferta de energia no fim do an
ONS alerta governo para risco de escassez com pior situação em novembro
18/05/2021

Valor Econômico - 17.05.2021 - A autorização dada pelo Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) no início do mês para que sejam utilizados todos os recursos disponíveis de geração de energia - sem importar quanto isso custará para o consumidor - considerou os cenários mais críticos de abastecimento do país até o fim do ano. Em ofício obtido pelo Valor, o Operador Nacional do Sistema (ONS) alerta o governo para o risco de déficit na oferta de energia nos últimos meses de 2021, com destaque para o desfalque de 12,7 gigawatts (GW) de potência em novembro.

No sistema elétrico, a oferta de potência é importante para garantir a segurança do suprimento. Isso geralmente vem das usinas termelétricas, dada a sua capacidade de gerar energia de forma contínua, enquanto tiver combustível, ou mesmo das hidrelétricas, com água no reservatório.

Diante disso, o déficit de potência projetado precisará ser coberto, basicamente, por térmicas - mais poluentes e mais caras. Nessa hora, fontes com oscilação no suprimento, como eólica e solar, ajudam, mas não resolvem.

No ofício, o ONS indica ainda o risco de déficit de potência de 1,6 GW em outubro. Em novembro, o mês mais crítico, o desafio não é pequeno. Para ter uma ideia, os 12,7 GW de potência equivalem a dez usinas nucleares do tipo Angra 2, com potência de 1,35 GW (ou 1.350 MW).

Ainda em novembro, o sistema elétrico poderá enfrentar “déficit energético” de 6,9 GW médios. Neste caso, o déficit envolve o volume médio de energia que de fato pode ser garantida em uma usina por determinado período. No rio Xingu (PA), por exemplo, a hidrelétrica Belo Monte tem 11,2 GW de capacidade instalada, porém entrega 4,5 GW médios devido à alta variação do volume de água no rio ao longo do ano.

Ao autorizar “medidas excepcionais” para garantir o abastecimento, o CMSE não mencionou o cenário de déficit de energia. As medidas incluem: uso de térmicas mais caras (despacho fora da ordem de mérito) e ajuste na vazão de água nas usinas (flexibilização das restrições hidráulicas).

As duas medidas foram citadas no documento do ONS. “Sem o despacho fora da ordem de mérito e sem as flexibilizações das restrições hidráulicas, identificamos déficit energético em novembro de 2021 (6.900 MWmed), bem como déficit de atendimento de potência nos meses de outubro (1.600 MW) e novembro (12.700 MW).”

O CMSE, que reúne a cúpula do setor, definiu adicionalmente as estratégias de: acelerar a liberação das novas linhas de transmissão para garantir o escoamento ou remanejamento de carga entre regiões; garantir combustível para abastecer as térmicas; postergar a manutenção de usinas; e importar eletricidade dos países vizinhos (Argentina e Uruguai).

Procurado, o ONS informou que faz parte de suas atribuições “realizar estudos, análises e avaliações de cenários para um horizonte de até cinco anos”. Sobre o déficit projetado, o operador registrou que se trata apenas de “uma das hipóteses dentre uma série de simulações realizadas”. O alerta, porém, recebeu destaque nas conclusões do ofício.

No posicionamento oficial, o ONS destacou que a situação vivida no setor deve ser contornada com as medidas anunciadas. “Diversas ações já estão em curso, incluindo a maximização da geração termelétrica e os testes com vazão reduzida, exatamente como planejado, não havendo, portanto, risco de déficit de potência.”

Reservadamente, os agentes do setor reagiram com espanto diante do cenário para novembro. Apesar de admitirem que a situação crítica está relacionada ao pior regime de chuvas da série histórica dos últimos 90 anos entre setembro e abril (período úmido), eles se queixam do fato da alta extraordinária de custos de geração não estar refletida na bandeira tarifária de maio (vermelha P1) e no preço de referência da energia no mercado de curto prazo - o PLD -, que atende a grandes consumidores.

A atual metodologia de cálculo mantém o PLD em patamares inferiores a R$ 250 por megawatt-hora (MWh), ainda longe do teto de R$ 556/MWh. Hoje, o ONS já despacha térmicas com custo superior a R$ 1.000/MWh.

Questionado, o Ministério de Minas e Energia informou que é preciso cumprir um “rito” para realizar ajustes, o que envolve “estudos, testes e validações”. Segundo a pasta, os estudos para aprimoramento dos modelos computacionais já estão “em andamento”, porém sua adoção só deve ocorrer a partir de 2022. “Não se pode atropelar as etapas necessárias”, resumiu.

Detalhe: quanto maior a diferença entre o PLD e o custo real da energia, maior é o encargo repassado às tarifas para custear as térmicas (o ESS). Em razão disso, parte do setor já prevê um “tarifaço” em 2022, pois a receita da bandeira tarifária não deve cobrir neste ano o aumento explosivo de custos da geração térmica, o que deve impactar os reajustes das distribuidoras no ano que vem.

Em 2020, o ESS somou R$ 3,7 bilhões, mas já alcançou neste ano R$ 5,4 bilhões, até abril - período em que térmicas mais caras ainda não funcionavam a todo vapor.

O Valor apurou que a alta do encargo preocupa a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que, para 2021, já trabalha com projeções de ESS acima de R$ 20 bilhões - impacto de 10% na tarifa.

Por Rafael Bitencourt