Análise: Mudança na MP da Eletrobras inviabiliza privatização
Ponto mais preocupante do relatório, segundo fontes, é a transferência de recebíveis bilionários da empresa de energia para a nova estatal que será criada com Itaipu Binacional e a Eletronuclear
18/05/2021

Valor Econômico - 17.05.2021 - As últimas mudanças feitas pelo deputado Elmar Nascimento (DEM-BA) tornam a privatização da Eletrobras algo praticamente impossível, segundo avaliam fontes do mercado e acionistas minoritários da companhia ouvidos pelo Valor.

Relator do texto, Elmar ainda está negociando com o governo possíveis ajustes no relatório e deverá reunir-se ainda nesta segunda-feira com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para definir a votação da Medida Provisória (MP) 1.031.

Executivos do setor privado e analistas já fizeram chegar à Esplanada dos Ministérios que, tal como o texto circulou entre domingo e hoje de manhã, a capitalização da Eletrobras com recursos exclusivamente privados ficou inviável.

As principais críticas recaem sobre o artigo 3º do relatório de Elmar vazado pela consultoria de risco político Arko Advice. O texto ainda não é oficial e o próprio relator admitiu ao Valor que pode haver novas alterações.

O ponto mais preocupante do relatório, segundo essas fontes, é a transferência de recebíveis bilionários da Eletrobras para a nova estatal que será criada com Itaipu Binacional e a Eletronuclear (as usinas nucleares de Angra).

Desde 2013, quando foi convertida em lei a polêmica MP 579 publicada pela ex-presidente Dilma Rousseff, a Eletrobras tem recebido indenizações pelas linhas de transmissão que tiveram concessões renovadas com tarifas muito abaixo das praticadas anteriormente.

O último balanço da companhia indica que ela ainda tem R$ 47 bilhões para receber até 2028. Além disso, Furnas e Chesf aguardam o reconhecimento da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para obter mais R$ 6,2 bilhões em indenizações por ativos de geração.

A ideia de Elmar é transferir esses recursos, ou pelo menos uma parte deles, para a nova estatal. Essa empresa, que será criada antes da privatização, ficaria responsável ainda por construir mais 6 mil megawatts (MW) de usinas térmicas a gás natural e 2 mil MW de pequenas centrais hidrelétricas.

Na prática, mesmo se o texto votado pela Câmara e depois pelo Senado ficar desse jeito, a privatização estará completamente inviabilizada. Não haverá mais chance de acontecer, por vários motivos.

Primeiro: os acionistas privados (hoje minoritários), em assembleia geral, não vão aprovar a transferência dos recebíveis para a nova estatal que o governo pretende criar com Itaipu e Eletronuclear. Isso foi ressaltado por todas as fontes de mercado ouvidas pelo Valor.

Segundo: se de alguma forma os recebíveis forem transferidos, o que parece difícil, a União precisará capitalizar a nova empresa com montante igual (mais um real) para garantir seu controle acionário. A transferência, digamos, de R$ 10 bilhões ou R$ 40 bilhões da Eletrobras para essa nova estatal a tornará acionista da companhia. Só que a Eletrobras seria privatizada mais adiante. Para manter o controle da empresa que ficar com Itaipu e Eletronuclear, o governo precisará fazer aporte em igual valor, no mínimo, a fim de não mantê-la sob seu guarda-chuva.

Terceiro: acionistas minoritários da Eletrobras já estão consultando advogados. Chegaram à rápida conclusão de que, se alguém não concordar com a transferência dos recebíveis, teria direito de recesso a valor patrimonial (hoje R$ 48 por ação). Isso criaria um novo passivo para a companhia.

Como se não bastasse todo esse "combo", o relator parece decidido a colocar na lei de conversão da MP uma possibilidade de intervenção inédita da Aneel no mercado. O artigo que incluiria esse dispositivo ainda não foi divulgado, nem vazou por canais extraoficiais.

A ideia de Elmar é a seguinte: se alguma empresa (como a "nova" Eletrobras capitalizada) tiver participação muito grande no mercado livre de energia, a agência poderia simplesmente intervir nesses contratos e destinar parte da eletricidade ao mercado cativo (das distribuidoras), que atendem pequenos consumidores.

Não seria algo feito exclusivamente para a Eletrobras, que ganharia, depois de privatizada, o direito de comercializar a energia de suas usinas onde bem entender e com o preço que quiser. Valeria qualquer empresa, como a multinacional francesa Engie, herdeira dos ativos de geração da Eletrosul e com grande atuação no mercado livre.

Como diz um observador influente do setor elétrico, ninguém imagina a atual diretoria da Aneel fazendo esse tipo de intervenção. Mas os mandatos acabam e as coisas mudam. Essa brecha pode dificultar a precificação do megawatt-hora negociado pela Eletrobras, pois ela sempre terá pela frente a possibilidade de rescisão forçada dos contratos.

Por Daniel Rittner