Prestes a ser aprovada, MP da Eletrobras desagrada setores da indústria e energia
Governo vem sinalizando apoio à proposta de texto redigido pela Câmara; medida caduca em 22 de junho
11/06/2021

Folha de SP - 10.06.2021 - Às vésperas de ser votada no Senado, a MP (medida provisória) de privatização da Eletrobras é criticada por entidades ligadas à indústria e ao setor elétrico, que buscam um último diálogo com os parlamentares na tentativa de alterar seu conteúdo.

A MP foi enviada pelo governo para o Legislativo em fevereiro e caduca em breve, no dia 22 de junho. O texto foi aprovado na Câmara, há três semanas, com folga —foram 313 votos a favor, 166 contra e 5 abstenções. Mas foi nesse processo que nasceu o imbróglio que agora incomoda parte do mercado.

O objetivo central da medida era aumentar o capital social na Eletrobras por meio da emissão de ações ordinárias (que dão direito a voto), e assim diminuir a participação da União, que hoje corresponde a cerca de 52%. Isso se mantém, mas o novo texto ganhou adendos. Os principais são a contratação obrigatória de energia de termelétricas a gás e a priorização de pequenas centrais hidrelétricas (até 50 megawatts) nos próximos leilões de energia nova, previstos para setembro.

Os críticos ao texto têm apelidado esses adendos de “jabutis” —referência a emendas que alteram ou distorcem o objetivo inicial de uma MP ou de um projeto de lei. Argumentam que isso gera uma reserva de mercado e, por consequência, reduz a competição no setor de energia.

Nos poucos dias que faltam até que a medida expire, ela ainda deve passar pelo Senado e, no caso de os senadores fazerem alterações, volta para discussão na Câmara.

“Todos nós somos favoráveis à privatização [da Eletrobras], mas queremos que o processo ocorra de maneira que modernize o sistema elétrico, e não que o ‘desmodernize’”, declarou o presidente da Abrace (Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e Consumidores Livre), Paulo Pedrosa, durante seminário realizado pela Folha na manhã desta quinta-feira (10).

Ele criticou a ampliação do conteúdo da MP para além do projeto de capitalização, no que define como uma “minirreforma do setor elétrico decidida em dez dias de discussão na Câmara”.

Em linha semelhante, o IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás) defende o objetivo inicial da medida, mas questiona a opção por térmicas a gás e também as áreas onde elas estão localizadas —a versão da Câmara impõe a contratação de 6 gigawatts (GW) em térmicas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.


“Dificilmente essas térmicas serão abastecidas por gás nacional, porque há uma distância e um custo de infraestrutura que será necessário para viabilizar a chegada do gás [concentrado principalmente na costa brasileira] nas usinas”, argumentou a diretora-executiva de gás natural do IBP, Sylvie D’Apote.

Cálculos do instituto sugerem que a contratação compulsória, como propõe a medida provisória, poderia gerar perdas de R$ 600 milhões por ano em royalties.

O relator da matéria na Câmara, deputado Elmar Nascimento (DEM-BA), respondeu às críticas dizendo que os argumentos dos setores olham apenas para o mercado, e não para o cidadão. “Nós [Congresso] defendemos o interesse do povo e eles, dos grandes consumidores.”

O parlamentar avalia que a contratação das térmicas faz parte de uma política de desenvolvimento regional, já que os gasodutos se desdobram em oportunidades de impulsionar a indústria local e atrair mão de obra.“Será que o centro do Brasil não tem direito a ter gás?”, questionou.

D’Apote, do IBP, observou que, em vez de alavancar o potencial de desenvolvimento econômico regional, a MP pode reduzi-lo à medida que impõe termelétricas sem levar em conta outras características locais.

“Assim como há regiões que têm produção de gás e que poderiam se alavancar, outras deveriam ser desenvolvidas à base de outros recursos renováveis, importantes na era de transição energética”, disse. “O Nordeste, por exemplo, tem uma clara vantagem em fontes renováveis.”

Apesar das divergências com setores do mercado, o texto da Câmara recebe apoio do governo federal.

Também presente no seminário, o chefe da Assessoria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério de Minas (MME) e Energia, Hailton Madureira, disse que a pasta “tem convicção de que o texto aprovado na Câmara, no seu conjunto, é positivo, pois permite o aumento da competitividade e a redução da tarifa”.

Madureira acrescentou que a capitalização deve tornar a empresa mais competitiva. “A Eletrobras não ganha um leilão no Brasil desde 2014. Capitalizada e mais robusta, ela vai ter capacidade para participar de leilões de transmissão e geração.”

Em nota publicada nesta quarta (9), o MME projetou que, da forma como está, a MP levaria a uma redução tarifária média de 6,34% na conta de energia —num cenário conservador, a redução seria de 5,1%; no arrojado, de 7,3%.

Paulo Pedrosa, da Abrace, disse que é um erro não pensar também nos impactos para a indústria. “É um equívoco entender que reduzir a tarifa do consumidor pequeno é a melhor maneira. A família brasileira consome três vezes mais energia em produtos [por meio dos tributos] do que na conta de energia que paga; energia está no leite, no frango.”

O deputado Elmar Nascimento discordou. “Não aceito mais essa política de Robin Hood às avessas de que o pobre vai financiar os ricos, como estão defendendo aqui.”

Ele diz acreditar que, se fizer mudanças, o Senado apenas acrescentará emendas que permitam maior desenvolvimento regional, de acordo com interesses estaduais representados pelos parlamentares da casa. No caso de serem retirados pontos como a reserva da compra de termelétricas e centrais hidrelétricas, não se diz preocupado. “Como a MP volta para a Câmara, já ficou claro que a casa está determinada a corrigir equívocos.”

O relator do conteúdo no Senado é o parlamentar Marcos Rogério (DEM-RO), aliado do governo. Em coletiva de imprensa nesta quarta (9), ele disse ainda estar reunindo informações e propostas de emenda para o texto. “Não há nenhum ponto , a não ser a capitalização, que esteja definido. Tudo está na mesa, em diálogo com os senadores, o Ministério de Minas e Energia e a Aneel [Agência Nacional de Energia Elétrica]”, declarou.

Com ele estava o ministro Bento Albuquerque (MME). Ele sinalizou novamente o apoio da pasta ao texto redigido pela Câmara.

Questionado sobre a contratação compulsória das térmicas a gás, disse que “o gás natural tem sido fonte importante de transição para uma matriz energética mais limpa. Isso já está ocorrendo no Brasil e vai acelerar com a MP.”

O seminário foi mediado pelo jornalista e colunista da Folha Vinicius Torres Freire e teve patrocínio do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás e da União Pela Energia.

RAIO-X ELETROBRAS

• Mais de 120 usinas de geração da energia, sendo 80% de base hidráulica

• Capacidade instalada superior a 51 mil MW

• 366 subestações de energia elétrica

Principais pontos da MP

• Privatização por meio da capitalização, com a emissão de ações ordinárias (com direito a voto) sem que a União compre os papéis, diluindo a fatia que possui na empresa

• Exige uma reestruturação societária, com a criação de uma estatal que manterá sob controle da União a Eletrobras Termonuclear e a Itaipu Binacional

• Exige a contratação de térmicas a gás natural, pequenas centrais hidrelétricas e prorroga o Proinfra (Programa de Incentivos às Fontes Alternativas de Energia Elétrica)

• Funcionários poderão comprar ações remanescentes da União; o Executivo poderá aproveitá-los em outras empresas públicas

• Recursos da outorga e eventual superávit da nova estatal serão destinados à CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) para baratear custo para residências e pequenos comércios

• Um quarto do superávit da nova estatal será destinado a programas de transferência de renda

Mayara Paixão

Modelo de privatização da Eletrobras é questionado por executivos

Especialistas que atuaram no racionamento de energia criticam texto aprovado por deputados

Lideranças do setor elétrico, que participaram ativamente do processo de racionamento de energia no país em 2001, questionaram o modelo de privatização da Eletrobrás, em eventos de lançamento do livro “Curto-Circuito - Quando o Brasil quase ficou às escuras”, na quinta-feira (10).

Para o economista Joaquim Levy, que na época ocupava a Secretaria do Tesouro, o debate sobre a privatização atropela as discussões sobre a modernização do setor elétrico em tramitação no Congresso.

“Espanta que se esteja sendo feita uma privatização dessa amplitude às vésperas de uma mudança estrutural do mercado”, afirmou Levy, hoje diretor no banco Safra.

Uma das principais críticas da indústria à medida provisória de privatização é que o texto avança sobre questões estruturais do setor que estão no projeto de modernização, ao criar reserva de mercado para térmicas e pequenas hidrelétricas.

É uma das críticas do autor do relatório sobre as causas do racionamento, Jerson Kelman, que já dirigiu a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).

O presidente da comercializadora Sol Energia, Paulo Cezar Tavares, disse que a modelo de venda da estatal pode trazer riscos à concorrência. “Não tem competição. O estado sai da maior estatal que ele tem, sai das usinas”, afirmou, frisando que é a favor da privatização.

Tavares, que foi presidente da Celpe (Companhia de Eletricidade de Pernambuco) na época do racionamento, liderou a implantação da primeira comercializadora de energia do país.

O modelo já vinha sendo questionado por outros especialistas no setor elétrico, como o presidente da consultoria PSR Energy, Luis Barroso, e pela economista Elena Landau, que comando o programa de privatizações do governo FHC.

No evento desta quinta, os participantes frisaram que o Brasil enfrenta a crise energética atual em condições diferentes daquelas do racionamento de 2001 e que veem como pouco provável a possibilidade de um desfecho semelhante.

Naquele ano, mais dependente das hidrelétricas, o governo teve que lançar um programa de incentivo à economia de energia, com meta de redução de 20% no consumo, para evitar cortes compulsórios no fornecimento.

Agora, diz a presidente da Abeeólica (Associação Brasileira de Energia Eólica), Élbia Ganoum, a matriz energética é mais diversificada, com grande presença de térmicas, parques eólicos e participação crescente da energia solar. “Nossa realidade é muito diferente daquela do racionamento, além de termos aprendido com a situação.”

Nesta quinta-feira (10), por exemplo, enquanto o governo trabalhava para tentar poupar água nos reservatórios das hidrelétricas, a geração térmica contribuiu, até as 18h45, com 25,5% na energia injetada no sistema. As eólicas representaram 12,6%.

Ganoum esteve no Ministério de Minas e Energia em 2003, quando a então ministra Dilma Rousseff iniciou o debate para reformular o setor elétrico brasileiro após o racionamento.

Tavares lembra que, embora os reservatórios das regiões Sudeste e Centro-Oeste estejam em níveis historicamente baixos, os do Norte seguem elevados e, no Nordeste, estão melhores do que anos atrás.

Os especialistas questionaram a formação de preços de energia no país que, segundo eles, não reflete a dimensão da escassez.

O PLD (preço para negociação no mercado de curto prazo) está em torno de R$ 290 por MWh, mesmo que todas as térmicas disponíveis estejam operando.

“Não deixa de ser curioso que a gente tenha o preço na casa de R$ 250, enquanto o governo está para contratar usinas a diesel”, afirmou Levy, citando valor vigente até a semana passada. “Com sinal de preço trocado, fica mais difícil.”

Eletrobras

• Mais de 120 usinas de geração da energia, sendo 80% de base hidráulica

• Capacidade instalada superior a 51 mil MW

• 366 subestações de energia elétrica

Entenda os principais ponto da MP

• Privatização por meio da capitalização, com a emissão de ações ordinárias (com direito a voto) sem que a União compre os papéis, diluindo a fatia que possui na empresa

• A MP exige uma reestruturação societária, com a criação de uma estatal que manterá sob controle da União a Eletrobras Termonuclear e a Itaipu Binacional

• Além disso, exige a contratação de térmicas a gás natural, pequenas centrais hidrelétricas e prorroga o Proinfra (Programa de Incentivos às Fontes Alternativas de Energia Elétrica)

• Os funcionários poderão comprar ações remanescentes da União; o Executivo poderá aproveitá-los em outras empresas públicas

• Recursos da outorga e eventual superávit da nova estatal serão destinados à CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) para baratear custo para residências e pequenos comércios

• Um quarto do superávit da nova estatal será destinado a programas de transferência de renda

Nicola Pamplona