Análise: Jabutis na MP da Eletrobras deixam lições para setor elétrico e governo
Apesar dos "jabutis", Eletrobras passará a ter controle privado e recuperará sua capacidade de investimento
18/06/2021

Valor Econômico - Uma derrota do governo Jair Bolsonaro com a MP da Eletrobras faria lembrar o impactante revés sofrido pelo ex-presidente Lula, em 2007, na votação da emenda constitucional que prorrogaria a CPMF. Na época, uma analista política escreveu que acabava ali o sonho petista de um terceiro mandato para Lula — pois o Senado demonstrava cabalmente que rejeitaria tal medida.

A rejeição da medida provisória tiraria de Paulo Guedes os aparelhos que mantêm vivas as ilusões do mercado em uma agenda liberal e privatizante vendida na última campanha eleitoral. Impediria o Posto Ipiranga de voltar à Faria Lima, em 2022, pedindo mais quatro anos ao chefe.

O governo escapou de um fiasco e respira aliviado. Guedes poderá continuar fazendo promessas. A Eletrobras passará a ter controle privado e recuperará sua capacidade de investimento na expansão do sistema elétrico. Apesar dos jabutis, investidores estão felizes. Correios e Porto de Santos vêm aí.

Mas a tramitação da MP aprovada hoje no Senado deixa lições para a política (como governos não devem tratar um projeto prioritário) e para o setor elétrico (que passou da hora de ter uma boa reforma em sua articulação).

Ensinamento ao setor elétrico: nenhuma área da economia tem seus interesses tão pulverizados. São quase três dezenas de associações batendo cabeça e tentando preservar sua própria árvore de pé — mesmo que a floresta esteja pegando fogo.

Essa hipersegmentação enfraquece pleitos, desorganiza o funcionamento do todo, faz com que cada medida provisória ou projeto de lei ganhe seu próprio jabutizal e saia do Congresso muito pior do que entrou. Cada oportunidade de MP ou PL torna-se oportunidade de melhorar o micro, não importa o macro. O bem é localizado, o mal é distribuído. Consumidores, por meio das tarifas, ou contribuintes, por meio do Tesouro, sempre arcam com o custo dos agrados. Não há problema em ter seus próprios dialetos. Mas, enquanto não falar uma "língua franca" nos momentos críticos, o setor sofrerá mais derrotas do que vitórias.

Ensinamento para futuros governos: projetos prioritários requerem um peso-pesado, um nome forte politicamente, um trator (sem duplo sentido orçamentário) nas negociações. Alguém como Sergio Motta na privatização da Telebras. Que trace linhas amarelas e também as vermelhas, que não se aceitam cruzar, independentemente dos interesses parlamentares.

O Congresso fez o que melhor sabe na tramitação da MP: atender a lobbies. O texto final do Senado reflete bem isso. Faltou alguém com força para colocar um freio. Guedes é uma sombra do superministro em início de governo. Bento Albuquerque, de Minas e Energia, não tem habilidade política e frequentemente torna-se monotemático. Quer pizza do quê? Angra 3, responde Bento. Vamos assistir a qual filme? Angra 3. Água com gás ou sem gás? Angra 3.

Sem esse nome forte, o governo apostou no varejo para negociar. Cada bancada estadual ou pequeno grupo de senadores foi contemplado com uma emenda na reta final de tramitação da MP: navegabilidade no rio Tocantins, obras de derrocamento no rio Tietê, térmicas na região Norte, pequenas hidrelétricas no Centro-Oeste, subsídios ao carvão no Sul, indenização ao Piauí. Uma colcha de retalhos.

Para convencer a audiência, autoridades do setor elétrico e equipe econômica apostaram no discurso de que a privatização da Eletrobras fará as tarifas de energia caírem. Podem estar certíssimos. Mas são cálculos polêmicos, com premissas contestadas pelo setor privado, que ainda dependerão de fatores incontroláveis atualmente.

Lembra até o 11/9/2012, conhecido como Onze de Setembro do Setor Elétrico, quando Dilma Rousseff recebeu aplausos calorosos no Palácio do Planalto ao anunciar a MP 579. "As contas de luz vão cair 20%" anunciou Dilma. Entre 2013 e 2019, as tarifas subiram 105% — mais que o dobro da inflação no período.

Por Daniel Rittner