Ministério apontou risco em uso crescente de eólicas
Apesar de alerta, não houve leilões recentes para contratar mais térmicas em quantidade para mitigar riscos
29/06/2021

Valor Econômico - Meses antes do agravamento da crise hídrica, que levanta o fantasma de um novo racionamento de energia, o Ministério da Economia argumentou que a expansão do sistema elétrico com base em “fontes intermitentes” - principalmente usinas eólicas - vinha colocando em xeque o atendimento do consumo nacional nos horários de pico. Apesar disso, não houve leilões recentes para contratar mais térmicas em quantidade para mitigar riscos.

Nos últimos dez anos, a participação das eólicas na matriz brasileira saltou de 1,2% para 9,6%. Para a equipe econômica, esse perfil aumentava a necessidade de providenciar “redundância” no suprimento e poderia “gerar um problema operacional de impossível gestão para o ONS [Operador Nacional do Sistema Elétrico]”.

De acordo com dados do ONS citados pelo Ministério da Economia, entre fevereiro de 2018 e julho de 2019, as usinas eólicas entregaram ao sistema interligado nacional menos de 5% de sua potência instalada em 53 ocasiões.

Além da frustração no volume de energia em algumas datas, houve grandes variações dentro de um mesmo dia. É o caso de 12 de fevereiro de 2019, quando a geração pelos ventos caiu 4.990 megawatts (MW) entre 10h e 16h - montante que equivale a quase cinco usinas hidrelétricas de Sobradinho (BA).

As informações fazem parte do termo de referência, elaborado pela Secretaria de Desenvolvimento da Infraestrutura do Ministério da Economia, para a contratação de consultoria para conduzir um estudo sobre o setor elétrico brasileiro. Fruto de um acordo de cooperação técnica entre o governo federal e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a concorrência saiu em abril de 2020 e foi vencida pela PSR Energy. O trabalho ainda não ficou pronto.

“[Quanto à hipótese] de escolhas discricionárias do governo não serem acertadas e acabarem por comprometer a operação do sistema, ilustra-se como preocupação os blackouts de fevereiro de 2014 e janeiro de 2015, em que a carga excedeu a potência disponível no sistema. Em 2015, por exemplo, a interrupção ocorreu quando a carga superou a marca de 83 GW [83 mil MW]”, diz um trecho do documento.

“De lá para cá, mesmo com uma forte crise econômica, a carga-pico continuou crescendo, tendo atingido 90 GW [90 mil MW] em janeiro de 2019. No entanto, leilões foram cancelados e a matriz elétrica brasileira cresceu nos últimos anos, fundamentalmente, por fontes intermitentes. Ressalta-se que estudos da Empresa de Pesquisa Energética apontam a necessidade de contratação de potência para 2024”, escreveu o ministério na ocasião.

Uma das maiores preocupações de autoridades do setor elétrico, neste momento, é com o atendimento da demanda no horário de ponta. O Ministério de Minas e Energia tem discutido, com a indústria, uma forma de deslocar o consumo para fora das horas-pico. As estimativas do ONS apontam que os reservatórios do subsistema Sudeste/Centro-Oeste vão chegar a novembro com volume útil muito abaixo do registrado em 2001 (ano do racionamento) e de 2014 (quando houve outra forte crise hídrica).

“A escolha que será feita como modelo ideal tem uma relação direta com o custo final do sistema, visto que, inserindo mais fontes intermitentes, será necessária uma maior redundância do suprimento - o que, obviamente, terá seu preço. Nesta mesma linha, errar na forma de contratação e não privilegiar a segurança poderá comprometer o atendimento à carga”, diz o documento.

Para a presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), Elbia Gannoum, os riscos da operação com grande quantidade de usinas movidas pelos ventos já estão ultrapassados. “O operador hoje não tem mais problemas em administrar a geração eólica. Todas as fontes renováveis têm sazonalidade e variação, mas os ventos tornaram-se muito mais previsíveis do que as chuvas”, alega a executiva.

As usinas eólicas costumam produzir menos nos primeiros meses do ano e aumentar a geração de junho a dezembro. É o que muitos especialistas, no setor, chamam de “safra dos ventos”.

Mesmo havendo variações em cada ponto, já são 726 parques eólicos em todo o país. Se algum está produzindo menos, outro pode estar mais ativo no mesmo momento. O importante, explica Elbia, é que as previsões estão ficando cada vez mais certeiras e permitem ao ONS não ser pego de surpresa. “Com 24 horas de antecedência, o índice de acerto é muito grande.”

Elbia ressalta que as eólicas devem dar uma contribuição significativa para evitar racionamento, chegando a mais de 20% da geração nacional em outubro, no auge do período de estiagem. Ela avalia que isso não exclui, porém, a possibilidade de haver mais térmicas - flexíveis (sem operar o tempo todo) - ajudando o sistema elétrico.

A MP da Eletrobras, medida provisória de privatização da companhia, inclui a exigência de contratar mais 8 mil MW em térmicas a gás. A maior parte delas, no entanto, deverá ser instalada em capitais ou regiões metropolitanas de Estados sem fornecimento regular do insumo. Muitos analistas favoráveis à contratação das térmicas ponderam que seria mais lógico construí-las perto dos centros de consumo e onde já existe suprimento de gás natural.

Para algumas autoridades, a fixação de um preço-teto para o leilão dessas usinas provavelmente levará ao fracasso em sua contratação, pois os valores não serão suficientes para viabilizar toda a infraestrutura de gasodutos.

Por Daniel Rittner