Leilão viabiliza modernização de usinas hídricas mais antigas
Estudo da EPE de 2019 mostrou que os ganhos energéticos com a repotenciação podem chegar a 446 megawatts (MW) médios
13/07/2021

Valor Econômico - Sem a perspectiva de construção de grandes empreendimentos no horizonte, investidores e geradores da fonte hídrica veem na modernização e repotenciação de usinas existentes a principal aposta para o futuro. Boa parte do parque hidrelétrico brasileiro é antigo, com mais de 40 anos, o que abre uma grande oportunidade para investimentos direcionados para ganhos de eficiência e no aumento da capacidade de potência, ou seja, de poder atender instantaneamente a picos de carga.

Até hoje, muitas iniciativas do tipo não saíram do papel - principalmente no caso da repotenciação - por causa de entraves regulatórios. Faltam mecanismos para remunerar os investimentos. No entanto, uma possibilidade apareceu agora, com o primeiro leilão do governo para contratação de reserva de capacidade, previsto para acontecer em dezembro deste ano.

Um estudo da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) de 2019 mostrou que, no Brasil, os ganhos energéticos com a repotenciação podem chegar a 446 megawatts (MW) médios.

“Quando começamos a criar um mercado de capacidade, abre-se a oportunidade de remunerar esses investimentos em repotenciação. Hoje isso não acontece porque os contratos brasileiros são feitos com base em energia, e a repotenciação não aumenta a energia produzida”, afirma Mário Menel, presidente do Fórum das Associações do Setor Elétrico (FASE).

Geradores hídricos já vêm pedindo, há algum tempo, a criação de mecanismos para tornar esses investimentos viáveis.

“Muitas hidrelétricas do país têm espaço, é só comprar máquina. Mas como o atendimento da ‘ponta’ no Brasil é pouco valorizado, ninguém faz. Na hora que for dado o sinal econômico correto, todos virão", afirma Evandro Leite Vasconcelos, vice-presidente da CTG Brasil. Subsidiária da China Three Gorges Corporation, a CTG Brasil detém 17 usinas hidrelétricas e 11 parques eólicos, que somam 8,3 GW de capacidade instalada.

Vasconcelos enxerga um avanço na organização de um leilão de capacidade, mas entende que o país deveria criar um mecanismo permanente para precificar adequadamente o atendimento de ponta. “O certame é um bom passo, mas o melhor passo seria não precisar fazer leilões, seria deixar que o próprio preço já sinalizasse ao mercado que vale a pena investir nisso”.

O suprimento de energia em horários de pico é, inclusive, a principal preocupação do governo diante da crise hídrica vivida neste ano. A avaliação é de que, se a situação dos reservatórios se agravar, o país pode sofrer com apagões nos horários de ponta, quando o sistema elétrico fica mais pressionado.

De acordo com a PSR, as hidrelétricas já são hoje responsáveis por fazer o atendimento de ponta no Brasil, pois conseguem variar potência rapidamente, regulando a abertura ou fechamento dos equipamentos que direcionam o fluxo de água para o rotor.

Porém, é possível que nem todos os empreendimentos consigam se habilitar para participar do certame de potência. Existem alguns entraves regulatórios, por exemplo, para as usinas cotistas - quem paga por esse regime hoje é o mercado regulado, e a ideia do leilão é que os custos da contratação de potência sejam repartidos também com o mercado livre e autoprodutores. Além disso, usinas que têm contratos com vencimento próximo, como 2027-28, poderiam ter dificuldade para amortizar todo o investimento em repotenciação.

Além disso, alguns geradores têm buscado a modernização de suas hidrelétricas, como forma de aumentar a confiabilidade da geração. A CTG, por exemplo, iniciou em 2017 um processo de modernização de Jupiá e Ilha Solteira, com investimento total previsto de R$ 3 bilhões até 2027. “É um projeto complexo e até mais desafiador do que construir uma usina nova. É como reformar uma casa com você vivendo dentro”, afirma Vasconcelos.

Mas também no caso da modernização dos equipamentos, os geradores entendem que são necessários estímulos para que mais investimentos sejam realizados. Isso vale especialmente para as usinas hidrelétricas que estão perto de terem suas concessões encerradas e não conseguiriam amortizar todo o valor no período remanescente.

“Temos um parque de geração hidrelétrica idoso. Existe a possibilidade de realizar um trabalho de engenharia e operação aprimorado para extrair mais potência e energia das usinas, isso é tecnicamente possível e vem sendo feito em países como Suécia, Canadá, Estados Unidos e Rússia. No caso dos EUA, houve projetos com ganhos de 20% de capacidade instalada, por exemplo”, comenta Diego Almeida, mestrando em políticas públicas na UFRJ que conduz uma pesquisa sobre o tema.

Em paralelo, o Brasil tem ainda um mercado menos explorado de PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas, entre 5 MW e 30 MW) e CGHs (Centrais Geradoras Hidrelétricas, com no máximo 5 MW). Assim como as grandes hidrelétricas, esses empreendimentos têm geração firme (não intermitente) e têm a vantagem de poderem ser construídos próximos aos centros de carga, reduzindo perdas na transmissão.

De acordo com levantamento da Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa (Abragel), o país tem de 1.270 PCHs e CGHs, que somam 4,1 GW, com 3,6% de participação na matriz elétrica brasileira. Mas há alguns gargalos para que esse parque aumente.

“A principal dificuldade hoje é a viabilidade econômica. As PCHs e CGHs têm características próprias, não são modulares como eólicas e solares e precisam de uma contratação de longo prazo. Os custos de construção [das PCHs e CGHs] acabam sendo maiores. E eles também sofrem dificuldades com licenciamento ambiental”, afirma Charles Lenzi, presidente da Abragel.

De acordo com a entidade, existem quase 600 projetos de PCHs e CGHs em estágio avançado, mas que estão travados ou no processo de licenciamento ambiental, ou na questão de viabilidade econômica.

Por Letícia Fucuchima