TCU desconsidera falha e aprova valor de venda para Eletrobras
Precificação da potência de hidrelétricas elevaria outorga para R$ 57,2 bilhões
16/02/2022

Valor Econômico - O plenário do Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou ontem a primeira fase dos estudos técnicos para a privatização da Eletrobras. O julgamento terminou com seis votos favoráveis à aprovação e apenas um contrário. Os valores aprovados serão utilizados agora para auxiliar na definição do preço da ação que será considerado para a capitalização da empresa, fase que ainda passará pelo escrutínio do TCU.

O governo espera que o órgão de controle entregue a última etapa até o fim de março ou início de abril, de forma a possibilitar a conclusão da operação em maio. Há uma preocupação, porém, de que, passado esse período, a privatização seja comprometida pelo calendário eleitoral.

Segundo o Valor apurou, os ministros Paulo Guedes (Economia), Ciro Nogueira (Casa Civil) e Bento Albuquerque (MME) fizeram apelos para que o plenário do TCU não determinasse nenhuma alteração na modelagem econômico-financeira.

O governo procurou os ministros do TCU com o objetivo de sensibilizá-los para a importância de dar andamento ao processo, que seria a privatização “mais simbólica” concluída na gestão do presidente Jair Bolsonaro até aqui.

Após a aprovação do TCU, o secretário de Desestatização do Ministério da Economia, Diogo Mac Cord, disse apenas que a decisão foi “positiva e democrática” e que o cronograma da privatização não foi afetado pela demora no aval do tribunal, que estava previsto para dezembro passado.

Com a decisões, as ações preferenciais da estatal subiram 6,54%, e as ordinárias, 6,22%.

Conforme revelado há duas semanas pelo Valor, o ministro Vital do Rêgo apresentou um erro metodológico no cálculo do valor agregado aos contratos (VAC) da estatal que totalizaria uma perda de R$ 34 bilhões para o Tesouro Nacional apenas com o bônus de outorga da operação.

Segundo os cálculos apresentados por ele, a outorga passaria de R$ 23,2 bilhões para R$ 57,2 bilhões, enquanto que os repasses para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que ajudarão a segurar a alta na conta de luz, passariam de R$ 29,8 bilhões para R$ 63,7 bilhões.

O grosso da diferença deve-se ao fato de o governo não ter contemplado na modelagem apresentada a precificação da potência das 22 hidrelétricas da Eletrobras. Outro ajuste, menor, foi motivado por falhas na definição dos critérios de risco hidrológico dos próximos anos.

“De forma inexplicável e ilegal, não foi apresentada a precificação da potência. Um erro absurdo, crasso”, disse o ministro. “Entendo ser essa uma situação inegociável.”

Apesar dos argumentos de Vital, os demais ministros optaram pela aprovação da modelagem e pela continuidade do processo. “Acho que ainda não temos o estado da arte suficiente para a apropriação adequada do mercado de potência”, alegou o ministro Benjamin Zymler, considerado um especialista na área.

A avaliação de Zymler é a mesma do governo, que justificou a ausência dos valores referentes à potência pela inexistência de um mercado para esse ativo. Nesse sentido, alega o Ministério de Minas e Energia (MME), seria impossível precificar a potência.

Ainda assim, Zymler afirmou que compartilha da percepção de Vital e que não vê a privatização em estágio maduro. “Ainda não está em um nível de maturidade adequado. Se a Eletrobras fosse minha, eu não a privatizaria com essas contas”, ponderou.

Zymler cogitou ainda a possibilidade de determinar ao governo que se comprometesse a incluir uma cláusula no contrato com previsão de uma eventual compensação caso o mercado de potência se viabilize no futuro.

A proposta, no entanto, acabou revertida em recomendação, sob protestos de Vital. “Estamos vendendo a Eletrobras pela metade do preço e o setor privado está em festa”, afirmou ele.

Os demais ministros presentes entenderam que a conclusão da privatização seria, de toda forma, mais benéfica do que postergar o processo ou manter a Eletrobras sob controle do governo federal.

“Eventual percepção de superestimativa do VAC pelo mercado resultaria no afastamento de investidores, redução do valor das ações e menos recursos disponíveis para investimentos. O que se pleteia e deseja é investimento para o setor”, relativizou o ministro Walton Alencar.

As incertezas que rondavam o julgamento da matéria levaram o primeiro escalão do governo a procurar individualmente os ministros do TCU para evitar um revés na análise da privatização.

Por Murillo Camarotto