Privatização da Eletrobras fica mais perto de acontecer
Minoritários dão aval para operação, que agora depende do TCU
23/02/2022

Valor Econômico - Os acionistas da Eletrobras aprovaram ontem, em Assembleia Geral Extraordinária (AGE), os termos da privatização da companhia, segundo fontes. Com o aval, a estatal supera mais uma etapa dentro da corrida de obstáculos para que consiga viabilizar o processo de capitalização da empresa dentro do prazo esperado, no segundo trimestre.
 
O Valor apurou que houve questionamentos por parte dos minoritários, na figura do ex-conselheiro da estatal João Antônio Lian e da Associação dos Empregados da Eletrobras (AEEL), por meio de representante jurídico. A votação, digital, chegou a ser interrompida algumas vezes para que a administração da companhia preparasse os esclarecimentos para cada contestação. Ao fim, os itens foram todos votados com ampla margem de aceitação dos minoritários. A União se absteve, por determinação legal.Depois de mais de cinco horas de votação, os acionistas deram o aval para a desestatização da Eletrobras, em si. O item, o último da pauta do encontro, foi aprovado por detentores de 202,617 milhões de ações ordinárias da companhia, enquanto acionistas representantes de 9.749 papéis foram contrários.
 
As abstenções, nessa discussão, somaram 884,482 milhões de votos, encabeçadas pela União. Segundo fontes, por volta de 21h, a ata da assembleia estava sendo lavrada, para posterior publicação. Até o conclusão desta edição não havia comunicado oficial da empresa sobre o tema.A capitalização da Eletrobras vai se dar via aumento de capital. A estatal emitirá novas ações por meio de oferta primária e a União renunciará ao direito de subscrição. O objetivo é que a participação (direta e indireta) da União seja diluída dos atuais 72,33% do capital votante para 45% ou menos. Caso a oferta primária não seja suficiente para atingir o limite pretendido, haverá uma oferta secundária das ações ordinárias detidas pela União.A última grande pendência a ser superada antes do lançamento da oferta das ações da Eletrobras será o aval final do Tribunal de Contas da União (TCU), cujos ministros aprovaram, na semana passada, os estudos técnicos para a desestatização da empresa, mas que ainda vão se debruçar sobre a modelagem da capitalização. A expectativa no governo é que esse processo seja concluído até o início de abril.A partir daí, caberá ao conselho de administração da estatal definir o melhor momento para a operação. Um dos itens da pauta aprovado na AGE, ontem, foi a autorização para que o conselho estabeleça detalhes como o cronograma, estrutura e preços da emissão das novas ações.
 
O conselho será responsável ainda pela aprovação dos prospectos, formulários e documentos necessários à capitalização no Brasil e no exterior. Os acionistas autorizaram a realização da oferta não só das ações ordinárias da companhia, mas também dos American Depositary Receipts (ADRs), negociados em Nova York.Antes da AGE, a Associação dos Empregados de Furnas (Asef) tentou obter uma liminar na Justiça para suspender a assembleia. O pedido foi apresentado às 7h40 e antes do início da reunião, por volta das 14h, circulava nos bastidores a decisão judicial que inviabilizou o pedido. Na decisão, a juíza Flávia de Macedo Nolasco, da 9ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal, reconheceu a incompetência para processar e julgar a ação e determinou a remessa dos autos à 11ª Vara Cível da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, onde correm outros processos. Ao menos outras quatro frentes, encabeçadas por, dentre outros atores, deputados do PT e pela AEEL, tentaram suspender o encontro de ontem, por meio de contestações na Justiça e na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Nenhuma delas, contudo, prosperou.Ao todo, os acionistas deliberaram, na AGE, sobre 12 itens.
 
Todos eles precisaram ser aprovados, sem exceção, para que os demais tivessem eficácia.O encontro começou com a aprovação da transferência do controle da Eletronuclear e da participação da Eletrobras em Itaipu para a Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional S.A. (ENBPar). A nova estatal foi criada para manter o controle da União sobre esses dois ativos, que não poderão mais ser controlados pela Eletrobras depois que ela for privatizada. Pela Constituição, a União tem monopólio sobre a operação de usinas nucleares no país. O Tratado de Itaipu, celebrado entre Brasil e Paraguai para a construção da usina binacional, também prevê a participação estatal na hidrelétrica.Também foram aprovados os termos da “descotização” das usinas da Eletrobras e do uso dos recursos levantados com essa operação para o pagamento de R$ 25 bilhões em outorga à União e mais R$ 32,1 bilhões à Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). A “descotização” contempla a assinatura de novos contratos de concessão para as hidrelétricas da empresa. Os ativos deixarão de vender energia sob o regime de cotas, com preços regulados e mais baixos, e poderão operar no mercado livre, a preços mais competitivos. A expectativa é que o aporte na CDE ajude a amortizar custos nas tarifas de energia para consumidores.
 
Os acionistas aprovaram também a manutenção do pagamento das contribuições associativas da Eletrobras ao Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (Cepel), pelo prazo de seis anos após a privatização, como previsto na Lei 14.182/2021 - que autoriza a desestatização da empresa elétrica.Também foram aprovados pelos acionistas da Eletrobras a destinação de parte dos recursos levantados na capitalização para programas de revitalização dos recursos hídricos nas bacias dos rios São Francisco e Parnaíba, assim como na área de influência dos reservatórios das hidrelétricas da subsidiária Furnas. Uma parcela dos recursos também será destinada à projetos para reduzir estruturalmente custos com geração de energia na Amazônia, além de melhorias na navegabilidade dos rios Madeira e Tocantins.
 
A assembleia deu aval, ainda, para a reforma do estatuto social da Eletrobras. Dentre outros pontos, os ajustes visam a adequar o texto à atuação da companhia como empresa privada e incluem a criação da “golden share” (ação especial que dá poder de veto à União em algumas decisões). A ação de classe especial será subscrita pela União para sua propriedade exclusiva, com o objetivo de manter a Eletrobras como “corporation”, sem controle definido, após a privatização. A “golden share” dará poder de veto nas deliberações sociais que visarem modificar ou remover os novos dispositivos do estatuto que vetarão qualquer acionista ou grupo de acionistas de exercer votos em número superior a 10% do capital votante; e que vedarão a celebração de acordo de acionistas para exercício de direito de voto, exceto para a formação de blocos com menos de 10% do capital votante.