Daniel Rittner: Propostas para os candidatos - energia
Associações do setor elétrico indicam rota para baixar as tarifas
10/08/2022

Em um documento com 16 propostas encaminhado aos presidenciáveis e suas campanhas, o Fórum das Associações do Setor Elétrico (Fase) argumenta que é viável diminuir as contas de luz de R$ 50 bilhões a R$ 80 bilhões por ano, com queda de até 30% nas tarifas de energia. Para isso, sugere ao próximo governo um roteiro abrangente, que passa por reorganização de subsídios, livre escolha do fornecedor de eletricidade por consumidores residenciais, deslocamento do consumo de horários de maior sobrecarga para momentos em que há ociosidade nos sistemas.

Em 2012, antes da tentativa mal-sucedida de diminuir as contas de luz pela MP 579, a tarifa residencial média era de R$ 362,15 por megawatt-hora. Em 2021, o valor subiu para R$ 622,60. Houve um aumento de 75% - 12 pontos percentuais acima do IPCA acumulado, já desconsiderando o plano de Dilma Rousseff no meio do caminho. O enfrentamento de crises hídricas têm produzido uma fatura elevada. A última custou R$ 28 bilhões, além de ter deixado um conjunto de térmicas emergenciais, que atrasaram e não geram nada.

Associações do setor elétrico indicam rota para baixar as tarifas - O setor elétrico é um dos mais pulverizados da economia. Tem dezenas de interesses diferentes, às vezes contraditórios entre si, como se vê na queda de braço em cada medida provisória ou projeto de lei tramitando no Congresso. A felicidade de um agente pode ser a desgraça de outro. Um mesmo segmento, como o de geração de energia, abriga uma dúzia de entidades empresariais. As divergências com frequência giram em torno de três ou quatro frases em um ato legislativo. O que só mostra como as propostas reunidas no documento, endossadas por 20 das 27 associações integrantes do Fase, refletem um consenso básico no setor. Essa agenda propositiva, construída com o suporte da consultoria Volt Robotics, foi dividida em cinco grandes questões prioritárias.

1) Aprimorar a governança: Aneel, ONS, EPE e CCEE são os órgãos responsáveis por gerir, fiscalizar e planejar o sistema elétrico brasileiro. Nessa sopa de letrinhas, porém, a função exata de cada um nem sempre fica clara. O blecaute de 2020 no Amapá, quando o Estado ficou quatro dias no escuro e três semanas com rodízio no fornecimento, provocou um jogo de empurra entre várias autoridades. Durou meses a responsabilização pelo caos.

O episódio ilustra, segundo avaliação do fórum, como o excesso de atribuições dadas para cada órgão atrapalha a governança. Na Aneel, são 16 objetivos estratégicos e pelo menos 70 indicadores para medir o funcionamento da agência. A EPE tem 11 objetivos e 34 indicadores. No ONS, são mais seis e 33 respectivamente.

Ao analisar a experiência internacional, o fórum notou diferenças. Na Austrália, o operador de mercado tem um plano estratégico focado em apenas quatro prioridades. A Califórnia estabelece três prioridades, com oito ações para fazer com que o trabalho tenha resultados alinhados.

2) Reorganizar encargos: o orçamento anual de subsídios no setor elétrico aumentou de R$ 16 bilhões em 2017 para R$ 30,7 bilhões em 2022. Eles são acumulados dentro da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) e rateados nas tarifas dos consumidores. Se nada for feito, esse valor subirá ainda mais. Por exemplo: a tarifa social abrange 12 milhões de residências e tem custo de R$ 5,7 bilhões. Uma lei de 2021 definiu cadastramento automático, no programa, dos lares de baixa renda. Estima-se que, em cinco anos, o número de residências beneficiadas irá para 22 milhões. O desembolso saltará para R$ 10,7 bilhões.

O documento sugere que, por tratar-se de uma política pública, o custo seja assumido pelo Tesouro e explicitado no Orçamento da União. O texto também aponta a necessidade de um olhar mais atento para subvenções aos combustíveis que abastecem usinas térmicas em sistemas isolados na região Norte. Essas subvenções são justas e evitam uma conta de luz proibitiva, mas representam um terço do valor total da CDE. Acelerar a geração de energia renovável (como a solar) onde viável, desligando geradores a diesel e reduzindo o consumo de combustíveis fósseis, é mais uma recomendação na lista.

3) Modernizar o mercado: o fórum pede a estruturação de um programa nacional para que sejam instalados, em um prazo de quatro a oito anos, “medidores inteligentes” em pelo menos 80% das unidades consumidoras no país. Esses equipamentos conseguem fazer a medição do consumo em intervalos curtos, de 15 minutos a uma hora, o que permite diferenciar a tarifa cobrada em horários de pico e horários com redes ociosas.

Conectados à internet, esses medidores fornecem, para as empresas de energia e para os clientes finais, informações em tempo real sobre o consumo. Abre-se caminho para a oferta de aplicativos que viabilizam até mesmo remuneração para quem economiza eletricidade na hora-pico (durante o verão, costuma ser o início da tarde, com o ar-condicionado a todo vapor) e prefere momentos de baixa. Nos EUA, chega a haver bônus para os consumidores - “save energy, get paid”. Para o sistema, pode sair mais barato do que acionar uma térmica e atender todos na mesma hora.

4) Acelerar a abertura: o Brasil é hoje um dos poucos países que ainda não oferece livre escolha do fornecedor de energia pelos consumidores. Essa possibilidade é dada só para a indústria ou o grande comércio, como shopping centers. O projeto de lei que liberaliza o mercado travou na Câmara. O Ministério de Minas e Energia ensaia uma medida infralegal para a abertura, mas isso não cria segurança para os agentes. A concorrência na oferta pode forçar queda de preços, inclusive com novos produtos. No Reino Unido, há empresas que vendem energia muito barata, por exemplo, para carregamento de carros elétricos durante a madrugada.

5) Atrair investimentos: há 32,5 mil megawatts (MW) de usinas hidrelétricas e 33,7 mil km de linhas de transmissão em atividade há mais de 30 anos. A vida útil de todos esses ativos ainda pode ser longa, mas em grande parte dependerá dos investimentos que devem ser feitos. Para isso, o fórum pede melhor estrutura nos órgãos ambientais, maior segurança jurídica, revisão de incentivos.

“A maioria das propostas é absolutamente factível”, diz Mário Menel, presidente do Fase, decano no comando das associações e um dos nomes mais respeitados no setor elétrico. Ouvi-lo não fará mal.