Aneel revoga contratos de térmicas de grupo turco KPS e reestabelece multas por atraso
As usinas foram contratadas no auge da crise hídrica de 2021, por meio do Procedimento de Contratação Simplificado
17/02/2023

Valor Econômico - A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) revogou ontem a outorga de implantação e operação de usinas térmicas da KPS Brasil, do grupo turco Karley Karadeniz Elextrik Uretim. As usinas foram contratadas no auge da crise hídrica de 2021, por meio do Procedimento de Contratação Simplificado (PCS).

A licitação impôs ao consumidor um custo de energia da ordem de R$ 1.500 o megawatt-hora (MWh) para livrar o país do racionamento em 2022. Das 17 usinas contratadas, onze atrasaram. Os donos dos projetos reivindicam o direito de operar e receber a receita, mesmo com o descumprimento de prazo.

Em decisão publicada ontem, a Aneel bloqueou pagamento de R$ 259 milhões agendado para hoje, referente a janeiro de 2023. O despacho, assinado pelo diretor-geral da agência, Sandoval Feitosa, autoriza ainda a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) cobrar multas estimadas em R$ 843 milhões.

A postura da Aneel frente ao atraso das usinas do PCS é acompanhada de perto por entidades dos consumidores e pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
A Frente Nacional dos Consumidores de Energia chegou a comemorar a possibilidade de alívio de R$ 30 bilhões em encargos na tarifa quando o governo editou portaria da rescisão amigável dos contratos das usinas em atraso. A expectativa, porém, é que não haja adesão e as empresas continuem insistindo no desfecho favorável dos processos nas esferas administrativa e judicial.

Além do descumprimento do contrato, a Aneel considera que a situação do país é muito diferente da escassez hídrica vivida em 2021. As hidrelétricas, que produzem energia mais barata, não conseguem gerar energia com todo volume de água disponível.

“Os contratos devem ser cumpridos, para o bem ou para o mal. Se as usinas atrasaram além de todos os prazos e a energia era desnecessária e cara, qual a razão para flexibilizar as regras do edital?”, questiona Paulo Pedrosa, presidente da Abrace, associação que representa os grandes consumidores de energia na indústria.

A KPS Brasil conseguiu receber R$ 394 milhões pela operação entre setembro e dezembro do ano passado. O grupo conta com receita e se livra de sanções por efeito de liminares na Justiça.

O grupo turco estreou no setor elétrico brasileiro por meio da modalidade PCS. Os projetos preveem a atracação de termelétricas flutuantes, no litoral do Rio de Janeiro, com geração a partir da queima de gás natural liquefeito (GNL). Procurada, a KPS não quis comentar a decisão da Aneel.

O presidente da Associação Brasileira de Geradoras Termelétricas (Abraget), Xisto Vieira Filho, lamentou a decisão da Aneel de querer “enxotar um investidor internacional de porte”. Ele disse que a contratação envolveu “investidores sérios que responderam ao chamado do governo brasileiro, numa situação emergencial”, para livrar o país do risco de racionamento em 2022.

Xisto avalia que os donos das usinas poderiam ter sido chamados para rever os termos dos contratos. Para ele, é possível propor que o despacho das térmicas seja “menos inflexível”, deixando de operar em algum momento

O presidente da Abraget disse “não ter a menor dúvida” que não haveria dificuldades com órgãos ambientais ou de acesso à rede de escoamento da energia se o pior cenário de chuvas tivesse sido confirmado no ano passado. “Possivelmente, estaria todo mundo correndo atrás deles”.

Por Rafael Bittencourt