Tecnologias miram reciclagem de pás eólicas e painéis solares
Com a garantia de mais energia limpa para o sistema, o setor busca agora adotar processos de reciclagem e circularidade
05/04/2023

Valor Econômico - 29.03.2023 | A geração de energia por meio de fontes renováveis é uma das medidas essenciais na jornada da descarbonização em busca de um planeta mais sustentável. Por isso, é cada vez mais comum a instalação de parques eólicos, que geram energia a partir de torres com pás giratórias impulsionadas pelo vento, e de placas fotovoltaicas, capazes de produzir eletricidade a partir da luz do sol. Com a garantia de mais energia limpa para o sistema, o setor busca agora adotar processos de reciclagem e circularidade.

Hoje, o Brasil tem 919 parques eólicos em teste ou operação no país, com capacidade instalada de 26.210 Megawatt (MW). Somente em 2022, o setor cresceu 12,8% sobre o ano anterior com o acréscimo de 4.065 MW de potência. A energia criada a partir do vento já representa 13,1% da matriz de eletricidade, de acordo com a Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica). Na geração solar, o País encerrou 2022 com 24 mil MW de potência operacional solar e assumiu, de forma inédita, a oitava colocação no ranking internacional, segundo a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar).

Enquanto o segmento solar ensaia os primeiros passos em direção à reciclagem, com a criação da SunR, empresa especializada em reciclagem de placas fotovoltaicas, novos ventos poderão levar a circularidade ao setor eólico. Atualmente, 96% a 98% das pás são produzidas com resina à base de epóxi - substância resiliente, que se pensava ser impossível de quebrar em componentes reutilizáveis. Consequentemente, as pás são descartadas em aterros, ao término de sua vida útil de 20 anos de uso.

Processo químico desenvolvido na Europa deve permitir reciclar pás eólicas feitas com resina epóxi
De acordo com a Vestas, empresa global de energia sustentável, a WindEurope estima que 25 mil toneladas de pás cheguem ao fim de suas vidas operacionais por ano até 2025. A WindEurope é uma associação que promove o uso da energia eólica no continente europeu. As pás, que podem atingir até 280 km/h e estar a dezenas de metros de altura, precisam ser resistentes e o mais leves possível.

Uma solução que surgiu na Europa foi fruto da parceria, feita em 2021, da Vestas com Olin Corporation, fabricante e distribuidora de produtos químicos, e a Stena Recycling, que oferece serviços e soluções abrangentes em reciclagem e gestão de recursos. Elas se uniram à dinamarquesa Universidade Aarhus e ao Danish Technological Institute na iniciativa CETEC (Economia Circular para Compósitos Epóxi Termoconversíveis), e criaram um novo processo químico capaz de fazer a decomposição de todos os elementos que compõem a pá, inclusive a resina epóxi. Desta maneira, será possível reciclar e promover a circularidade do produto. As organizações não revelam, porém, detalhes da inovação, que foi divulgada em fevereiro.

“Isto sinaliza uma nova era para a indústria eólica e acelera nossa jornada rumo à circularidade", afirma Lisa Ekstrand, vice-presidente e chefe de Sustentabilidade da Vestas, em um comunicado para a imprensa. “O processo recentemente descoberto pode teoricamente transformar pás de turbinas à base de epóxi, em operação ou descartadas em aterros sanitários, em uma fonte de matéria-prima para construir novas pás de turbinas. Como o processo depende de produtos químicos amplamente disponíveis, ele é altamente compatível para a industrialização e, portanto, pode ser expandido rapidamente”, diz Mie Elholm Birkbak, especialista em Estruturas Avançadas da Vestas.

“O setor eólico investe muito em inovação e tecnologia e, mesmo sendo um setor renovável, competitivo e de baixo carbono, está sempre em busca de diminuir impactos ambientais", afirma Elbia Gannoum, presidente executiva da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica).

A próxima etapa, informa a empresa de energia, é trabalhar no desenvolvimento e operacionalização para a descoberta poder ser escalável, seja local, regional ou globalmente. Ou seja, não há, por enquanto, data sobre quando as pás recicláveis poderão chegar ao mercado. Até o momento, também segundo a companhia, ainda não há valores sobre custo que as pás deverão ter e o investimento total a ser feito no projeto. Os primeiros parques eólicos no Brasil têm cerca de 10 anos.

“Atualmente, a Vestas já consegue reciclar cerca de 85% a 90% das turbinas”, diz Rodrigo Ugarte, vice-presidente de Aquisições Latam da companhia. Além das pás, estamos nos comprometendo a criar um rotor que possa ser inteiramente reciclado também. “Nossa meta é ter até 2030 mais de 94% de materiais reciclados, para efetivar a estratégia da empresa de produção de 100% das turbinas zero waste até 2040.”

Em relação à circularidade, criou o Circularity Roadmap, em sintonia com sua estratégia global de sustentabilidade, lançada em 2020. “Como parte do Circularity Roadmap, planejamos nos envolver com parceiros externos e com a indústria eólica para criar uma governança de circularidade compartilhada. Isso nos permitirá aumentar a transparência e a comparabilidade da circularidade entre as empresas.

Na área fotovoltaica, Leonardo Gasparini Duarte, CEO da SunR, conta que precisou desenvolver um maquinário 100% nacional, que entrou em operação no final do ano passado, para oferecer o serviço de reciclagem no Brasil. “Existia demanda, mas faltava a tecnologia para reciclar aqui no pais”, diz. “Um fato interessante é que a máquina foi construída em um contêiner para que seja móvel. Se no futuro precisarmos deslocá-la para fazer a reciclagem no local, será possível.”

Quando os módulos chegam à SunR, ocorre a retirada das estruturas metálicas para, posteriormente, todo o material ser moído na máquina. Depois deste processo, o conteúdo é separado por densidade e encaminhado para empresas que conseguem absorver a matéria-prima para a reutilização em outro mercado.

Diferentemente do que se poderia pensar, o descarte não ocorre exclusivamente no fim da vida útil, em torno de 25 anos. “Existem usinas na Europa com painéis que já têm 40 anos de uso. Se o equipamento for bem cuidado pode durar muito”, afirma. A demanda por reciclagem vem de outros tipos de descarte.

As montadoras de painéis solares, por exemplo, têm refugos e materiais que não passam no teste de qualidade, ou os contêineres com o material importado da China podem vir com equipamentos abaixo da qualidade esperada ou quebrados. O executivo cita outras fontes: “Podem ocorrer problemas durante o transporte em terra, como um caminhão tombar. As usinas solares estão sujeitas a acidentes com empilhadeiras e outros equipamentos, problemas durante a instalação de sistemas fotovoltaicos não estão descartados, como a quebra de parte do equipamento, os módulos podem ser atingidos durante uma chuva forte ou uma ventania e existem aqueles equipamentos que apresentam defeitos ao longo do tempo e que precisam ser descartados”.

Nelson Falcão, vice-presidente da Cadeia Produtiva da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), dá um exemplo, tendo como base uma grande usina solar de Minas Gerais, com cerca de 1,3 milhão de painéis instalados. “Numa planta desse porte, haveria de 20 mil a 30 mil painéis que seriam danificados durante a própria construção da planta, ou porque chegaram lá com algum defeito, ou se danificaram em algum momento da instalação”, afirma.

Desta maneira, os clientes da SunR são principalmente as usinas solares, as fábricas de sistemas fotovoltaicos e os fornecedores - empresas que geralmente vendem os equipamentos para os instaladores. A SunR cobra dos clientes apenas os custos do frete, recolhendo o material conforme a demanda, por intermédio de empresas terceirizadas. “Falta logística reversa para painéis solares no Brasil, uma porcentagem muito pequena dos resíduos é reciclada. O que não é reciclado, é normalmente destinado para aterros.”

Falcão afirma que a Absolar procura conscientizar todos os elos da cadeia produtiva, do fabricante ao distribuidor e instalador, de que já existe hoje uma estrutura legal que responsabiliza todos os elos da cadeia para a destinação desse produto com base na Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010) e no Decreto 2.240/2020. “Se hoje, alguém der uma destinação equivocada, vai ser responsabilizado, inclusive com multas.”

No entanto, diz que se atualmente não chega a ser um problema de grande escala, o crescimento da energia solar segue vertiginoso e até 2030 a potência vai quintuplicar, o que pode levar muitas plantas a trocar de painéis para produzir mais com a mesma quantidade deles. “Cada ano que passa vai haver uma massa maior entrando em operação nos diversos pontos, grandes usinas e pequenas instalações, e isso lá na frente vai virar uma escala de grande porte. Quando esses produtos começarem a ficar obsoletos, essa onda vai começar a crescer de maneira exponencial”, diz.

Embora a reciclagem do painel seja possível e disponível, o dirigente da Absolar considera a circularidade uma questão complexa, pois mais de 96% dos painéis são produzidos na China. Outros itens de um painel solar são as estruturas de aço que seguram os painéis e os inversores - a parte eletrônica responsável por fazer a conversão da corrente contínua produzida pelo equipamento para corrente alternada. “Sendo um equipamento eletrônico, já existem formas de reciclar e de fazer economia circular, porque não deixa de ser um circuito eletrônico. Nessa área há várias alternativas”, afirma.