Mudança no cálculo do preço mínimo da energia divide setor elétrico
O PLD mínimo é calculado com base na TEO Itaipu referente a custos de operação e manutenção da usina e pagamento pelo uso dos recursos hídricos
18/04/2023

Valor Econômico - 14.04.2023 | A recente disputa jurídica acerca do piso do preço de referência da energia elétrica para 2023, conhecido como Preço de Liquidação das Diferenças (PLD mínimo), no jargão do setor, está dividindo opiniões e pode trazer implicações a todo o mercado de energia, segundo especialistas.

Nesta briga, de um lado, estão grandes consumidores e industriais que sempre reivindicaram o choque de energia barata e comercializadoras de energia. De outro, empresas geradoras hídricas que no curto prazo viram os preços derreterem com impactos diretos nos balanços.

O PLD mínimo é calculado com base na Tarifa de Energia de Otimização (TEO) de Itaipu referente a custos de operação e manutenção da usina e pagamento pelo uso dos recursos hídricos, que é fixada em dólar. A polêmica começou após uma ação judicial impetrada pela comercializadora Enercore que obriga a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a desconsiderar TEO Itaipu do PLD mínimo, já que a TEO não corresponde aos custos de operação das demais hidrelétricas.

A geração hidrelétrica responde por cerca de dois terços do total produzido no país. O PLD hoje vigora em base horária e é calculado por modelos matemáticos que consideram como parâmetros a vazão dos rios e o consumo de energia, entre outras variáveis. O PLD Mínimo está em R$ 69,04 por MWh, mas na ação, a comercializadora estipula um valor de R$ 15,05 por MWh.

Por motivos econômicos, o PLD possui limites inferior e superior, cujos valores são calculados no fim de cada ano pela Aneel. Como o regime hidrológico foi bastante favorável e os reservatórios estão cheios, o valor da energia está sendo calculado com base no valor mais baixo.

No dia 10 de abril, a Advocacia-Geral da União (AGU) entrou com um processo para barrar a ação da Enercore, destacando que ela provoca reflexos em todo o Mercado de Curto Prazo (MCP), visto que as relações jurídicas ocorridas na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) são multilaterais.

Entre os pontos, a AGU destaca que se a situação perdurasse durante um ano, por exemplo, a cobrança adicional de Encargo de Energia de Reserva (EER) dos consumidores seria superior a R$ 1 bilhão.

O advogado André Edelstein, sócio do Edelstein Advogados, destaca que a União tenta mostrar os diversos impactos a que ficaria exposta em decorrência da procedência da ação, bem como sua repercussão aos demais agentes de mercado. Nesse aspecto, ele lembra que o artigo 20 da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro impõe o dever de as decisões judiciais não se aterem a valores jurídicos abstratos, devendo serem consideradas suas consequências práticas.

Soma-se que a usina de Itaipu carrega consigo questões que extrapolam o campo interno, com impactos para o cenário externo, principalmente na relação Brasil e Paraguai. O advogado Rômulo Mariani, do escritório RGMA Resolução de Disputas, avalia que a União deve derrubar esta medida.

“A intervenção da União dá mais peso à discussão. Além de apontar potenciais impactos às tratativas com o Paraguai para revisão do Anexo C do acordo [referente ao Tratado de Itaipu], ela reforça que os efeitos dessa liminar se espalham pelo mercado, pois o que deixa de ser pago por força da liminar é repassado aos demais agentes que fazem uso do mercado de curto prazo”, diz.

O ex-diretor técnico da Itaipu e membro do comitê de energia da Academia Nacional de Engenharia, Celso Torino, entende que a mudança na regra no curto prazo pode ter implicações diretas nos 130 milhões de consumidores que usam a energia de Itaipu. Segundo ele, a mudança precisa ser cautelosa e gradativa para que os impactos sejam reduzidos.

“Entendo que tem que ser um PLD mínimo que vale para todos e ter a TEO como referência faz sentido. Por outro lado, talvez seja relevante discutir qual a melhor regra para o PLD mínimo com a cautela devida numa eventual alteração, face aos possíveis impactos disso no setor, inclusive nos consumidores cotistas da Itaipu”.

O presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia, Luiz Eduardo Barata, assim como a Abrace, associação que representa os grandes consumidores livres de energia, entendem que esse é um tema que deve ser tratado tecnicamente e a judicialização pode trazer consequências severas.

“O que mais preocupa os consumidores é que a busca intensa ao judiciário para resolver problemas individuais do setor elétrico traz insegurança e acaba prejudicando o setor e, consequentemente, quem paga a conta, os consumidores. Esse caso é mais uma evidência de que precisamos avançar no reforço da governança e da modernização do setor", diz Barata.

Em nota, a Abrace disse que considera o tema relevante e tem atuado para que os decisores do setor elétrico promovam mudanças buscando um sinal de preço efetivo, que reflita a realidade da operação do sistema elétrico, permitindo que o setor seja menos disfuncional e com mais previsibilidade para os agentes.