Novas regras de arbitragem no setor de energia
Opinião: As modificações trazem maior segurança jurídica para a resolução de disputas entre os agentes do mercado livre
12/05/2023

Valor Econômico - 12.05.2023 | A Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) é entidade sem fins lucrativos cuja função é regular e viabilizar transações comerciais de eletricidade no chamado Mercado Livre de Energia.

A escolha da arbitragem como método de resolução de disputas do mercado regulado pela CCEE remonta à sua própria gênese por volta de 2004, momento em que o mercado brasileiro passava a perceber os benefícios econômicos da arbitragem como método alternativo e mais eficiente ao Poder Judiciário para resolução de disputas decorrentes de direitos patrimoniais disponíveis, em especial, no que diz respeito a disputas envolvendo matérias de alta complexidade técnica (como é o caso do mercado livre de energia).

Em 2007, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) homologou o texto da convenção arbitral aprovada pela CCEE, de forma que, a partir de então, as disputas envolvendo direitos patrimoniais disponíveis relacionadas ao mercado livre de energia passaram a ser dirimidas por arbitragem. A instituição da via arbitral como método obrigatório de resolução de disputas no âmbito do mercado livre de energia foi um sucesso, tendo não apenas contado com a adesão de seus agentes como também com seu respeito e cumprimento às decisões arbitrais.

Passada mais de uma década de vigência da convenção arbitral, cada vez mais empresas têm migrado para o mercado livre de energia, havendo expectativa de grandes aportes de investimentos em geração, transmissão e distribuição de energia elétrica como decorrência das recentes desestatizações, bem como da transição energética para matrizes renováveis, aumentando o volume de energia comercializada com a integração de novos agentes.

De forma a adequar a convenção arbitral à nova realidade do setor energético, a CCEE criou grupo de trabalho específico para sua revisão, buscando atender de forma geral as principais requisições suscitadas pelos agentes: (i) clareza quanto à submissão dos conflitos à convenção arbitral; (ii) alternativa à escolha da câmara responsável pela administração da arbitragem; (iii) proteção dos agentes do mercado acerca dos efeitos decorrentes das disputas; (iv) maior disponibilidade de árbitros experts no mercado de energia; e (v) construção de know-how decorrente dessas disputas pela jurisprudência.

Os trabalhos do grupo culminaram na aprovação da alteração do texto da convenção arbitral de 2007 pelos associados da CCEE, por meio da 68ª Assembleia Geral Extraordinária, em 19 de outubro de 2021. A homologação da nova convenção arbitral pela ANEEL ocorreu em 14 de fevereiro, data em que o novo texto passou a viger para arbitragens instauradas após tal data, aplicando-se a convenção arbitral de 2007 às disputas anteriores.

De novidade, a nova convenção arbitral buscou dirimir dúvidas sobre assuntos arbitráveis, delimitando sua aplicação sobre quaisquer conflitos entre agentes do mercado ou entre agentes e a CCEE, que não envolvam assuntos de competência administrativa da Aneel (cláusula 1ª). Para esses assuntos a demanda apenas poderá ser submetida à arbitragem após esgotadas todas as instâncias administrativas da Aneel.

Na hipótese de transações bilaterais não submetidas ao mercado livre de energia, e que não impactem os agentes desse mercado, não será aplicável a nova convenção arbitral. Tais companhias podem, todavia, optar por dirimir a disputa por arbitragem externa à convenção arbitral da CCEE.

Em nenhuma hipótese, porém, serão arbitráveis as cobranças, por parte da CCEE contra os agentes, de valores inadimplidos e/ou penalidades, cuja imposição deverá ocorrer pela via judicial.

Ademais, a cláusula 2ª da nova convenção arbitral passou a prever a possibilidade de os agentes escolherem qualquer câmara arbitral dentre aquelas credenciadas pela CCEE para a administração dos procedimentos arbitrais, antes restrita à Câmara de Arbitragem da FGV.

Foram, ainda, estabelecidos mecanismos de proteção ao mercado (cláusula 3ª), garantindo aos árbitros constituídos a possibilidade de exigir garantias das partes, por exemplo para a concessão de decisões cautelares por si pleiteadas, para fazer frente a possíveis efeitos que tais decisões possam ter sobre o mercado livre de energia, caso elas sejam revertidas durante o curso ou ao final da arbitragem.

O novo texto, de forma a ampliar o rol de possíveis árbitros, buscou abrandar os critérios para sua indicação (cláusula 13). O rol antes previsto como de “impedimentos” foi modificado para “suspeição”, permitindo a indicação de árbitros que não possuam no caso prático situações que afetem sua imparcialidade. No caso da quarentena para ex-prestadores de serviço, ex-colaboradores e ex-consultores das partes, o prazo foi reduzido de dois anos para seis meses.

Por fim, a nova convenção arbitral determina (cláusula 6) às câmaras homologadas a divulgação das ementas das sentenças arbitrais contendo a síntese das principais informações para instrução técnica sobre o assunto resolvido em 15 dias, respeitando-se a confidencialidade das partes, criando-se assim jurisprudência dos casos resolvidos no âmbito do mercado livre de energia, o que, em tese, tende não apenas a diminuir o número de conflitos envolvendo questões já pacificadas por reiteradas sentenças arbitrais, como também a gerar maior previsibilidade e segurança jurídica às partes.

Certamente tais modificações trazem maior segurança jurídica para a resolução de disputas entre os agentes do mercado livre de energia, garantindo um ambiente ainda mais seguro e propício para investimentos futuros.

Por Fernando Medici Jr., sócio do Mattos Engelberg Echenique Advogados