Preços baixos da energia geram corrida por contratos de longo prazo
Insumo elétrico barato é bom para consumidores, porém é considerado danoso ao ambiente de investimentos das geradoras
27/07/2023

Valor Econômico - Os baixos preços no mercado de energia elétrica, decorrentes de uma série de fatores, estão provocando uma corrida dos consumidores por contratos com prazos de vencimento cada vez mais longos. Para as empresas mais intensivas em energia, a hora é de aproveitar os preços mais convidativos para o alongamento das carteiras, garantindo o fornecimento em condições mais favoráveis em contratos de até cinco anos. Já para as geradoras, os preços baixos preocupam e podem até inviabilizar projetos.

De um contexto de crise hídrica em 2021 e preços da energia que superaram a marca dos R$ 1.500 por megawatt-hora (MWh), o cenário se inverteu ao longo de 2022 e o Preço de Liquidação das Diferenças (PLD mínimo), no jargão do setor, que é a referência para contratos, especialmente no mercado livre, onde consumidores podem escolher o fornecedor, está no piso regulatório de R$ 69 por MWh.

A sócia da comercializadora Stima Energia, Daniela Alcaro, relata que a pressão de baixa sobre os preços da energia elétrica no mercado livre foi provocada, em parte, pelo movimento de descontratação ocorrido em grandes geradoras. Esse fluxo resultou em uma sobreoferta de energia que derrubou os preços futuros até 2030.

“O desejo dos consumidores era que a energia chegasse a US$ 30. Hoje verificamos que a energia está custando por volta de US$ 25. Ou seja, o cenário está muito favorável para a contratação de longo prazo”, disse.

Em paralelo a isso, a executiva lembra que a inflação começou a arrefecer e os preços estabilizaram. “Então começamos a ver cotações até 2034 (...). Notamos também a movimentação em um outro tipo de produto, que é autoprodução”, diz Alcaro, se referindo à modalidade em que o consumidor opta por investir na geração da sua própria energia adquirindo usinas ou detendo uma participação acionária na produção do empreendimento.

O BBCE (Balcão Brasileiro de Comercialização de Energia) constatou, no último semestre, uma tendência de alongamento de prazos, com maior procura por contratos com vencimento superior a dois anos. Entre janeiro e junho, a entidade verificou, com a queda do preço, uma diminuição do volume financeiro negociado.

Por outro lado, houve um aumento da quantidade de energia transacionada. Os volumes de eletricidade comercializados estão concentrados em prazos mais alongados do que se registrou em todos os onze anos de operação. No primeiro semestre de 2023, 41,6% do volume energético tem vencimento superior a 2024, e 62,6% envolvem produtos anuais.

“A maior atividade de negociação de energia no longo prazo exige que as empresas realizem a revisão dos modelos de gestão de riscos e de processos de acompanhamento operacional. Diante disso, é relevante aos agentes do mercado livre que se atentem no dia a dia de seus times de middle office aos limites de negociação consumidos nas operações com com outras contrapartes numa visão por período específico e, ainda, numa visão global”, afirma o gerente de Produtos, Comunicação e Marketing do BBCE, Marcelo Bianchini.

O vice-presidente da Associação Brasileira de Comercializadores de Energia (Abraceel), Bernardo Sicsú, lembra que a queda dos preços casa com o atual momento de abertura do mercado livre, em que novas empresas migram para este ambiente de comercialização de energia. Segundo ele, para estes novos entrantes, o movimento deve ajudar as empresas a reduzirem seus custos com eletricidade ao mesmo tempo em que endereça suas metas de sustentabilidade.

Adicione ao contexto o fraco crescimento da demanda associado a um cenário com chuvas abundantes; a sobreoferta de energia causada pela entrada de usinas eólicas e solares; a falta de reservatórios para hidrelétricas; restrição para exportação de energia excedente a países vizinhos; e crescimento da geração distribuída. Esta é a fórmula para o setor industrial ter o seu “choque de energia barata”, diferencial que pode ajudar na chamada “neoindustrialização”.

Para o diretor de Energia Elétrica da Abrace, associação que representa os grandes consumidores livres de energia, Victor iOcca, não é bem assim. Ele explica que o mercado está propício a uma renovação em custos mais adequados da energia elétrica. Entretanto, outros fatores ainda pesam na conta.

“Esta é uma oportunidade para renovação parcial do portfólio de energia dos consumidores (...). É uma notícia boa, mas não significa que o custo final será baixo, já que energia elétrica é parte da conta como um todo. Não é uma redução drástica devido ao peso dos outros custos, como da transmissão e distribuição e principalmente o custo das políticas públicas e subsídios existentes ", detalha iOcca.

Se a energia barata é boa para os consumidores, para os geradores a situação não está favorável. O relato é que isso pode levar ao represamento de investimentos por não encontrar viabilidade econômica para os projetos, já que o custo marginal de expansão é maior.

O ex-diretor da Aneel, Edvaldo Santana, ressalta que a oferta de hoje é para um consumo que só acontecerá em 2031. Nas palavras dele, o excesso de subsídios está levando a uma sobreoferta, que vai significar uma queda de preços no mercado livre e a frustração de investimentos.

A Engie e a Eletrobras, por exemplo, têm sentido reflexos deste brutal excesso de oferta de energia. O CEO da Engie, Eduardo Sattamini, frisa que o cenário é danoso ao ambiente de investimentos do setor elétrico brasileiro e que muitos dos projetos que estavam sendo desenvolvidos ou até com início de construção programado serão cancelados.

No caso da Eletrobras, o baixo preço da energia é visto como um dos fatores para que a cotação dos papéis da elétrica não decolem. Além disso, com a privatização, as usinas da antiga estatal, deixaram de ser remuneradas pelo regime de cotas, a chamada “descotização”, que foi a mudança do regime de comercialização de energia que liberou a empresa para vender energia a preços livres no mercado. O desafio é colocar a energia descontratada no mercado.

Os preços podem cair ainda mais. A redução da inflação nos Estados Unidos e a valorização do real em relação ao dólar verificadas nos últimos meses podem reduzir em 9,3% o Preço de Liquidação das Diferenças Mínimo (PLDMin) de 2024, para R$ 62,63 por MWh, conforme simulação da Ampere Consultoria.

No caso das fabricantes, a sobreoferta e os juros podem provocar uma desaceleração na venda de equipamentos. Algumas empresas já preveem que a venda de turbinas eólicas no curto prazo que 2023 apresentará contratações pontuais.

Por Robson Rodrigues