Diretores da Aneel protestam contra escolha de procurador, e setor vê fritura política
Para o mercado, disputa por vagas ocorre em vários organismos do setor de energia; pressão do MME na câmara de comercialização é um exemplo
09/08/2023

Folha de SP – 08.08.2023 | Três diretores protestaram publicamente contra o processo de escolha do novo procurador da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). As manifestações ocorreram na abertura da reunião do colegiado nesta terça-feira (8). O grupo afirma que houve falta de transparência do diretor-geral, Sandoval Feitosa, por excluí-los do processo de discussões que definiu a indicação para o cargo.

Apesar dos argumentos, a leitura entre os especialistas do setor é que a atípica polêmica envolvendo essa vaga técnica faz parte de um movimento político bem mais amplo, que parte do MME (Ministério de Minas e Energia), capitaneado pelo secretário-executivo da pasta, Efrain da Cruz.

Procurado pela reportagem, a assessoria do MME afirmou que a pasta não tem indicados para vaga na Aneel e que o secretário-executivo nega qualquer envolvimento na polêmica.

Quem puxou a crítica nesta terça foi o diretor Fernando Mosna, poucos minutos após o início da reunião. Ele qualificou o procedimento para a escolha do novo procurador como "punhalada nas costas". Destacou que não tem restrição contra o nome escolhido, mas contou que questionou o encaminhamento e pediu que a indicação fosse suspensa. Ao final da fala, avisou que estava se retirando da reunião.

Outro diretor, Ricardo Tili, pediu a palavra e reclamou que o diretor-geral o havia desrespeitado na véspera, por não recebê-lo para o encaminhamento de outra questão. Afirmou "não ter clima para qualquer deliberação" e também deixou a reunião.

Nos meio das falas dos colegas, um terceiro diretor, Hélvio Guerra, foi embora sem se pronunciar. Segundo a Folha apurou, Guerra também se declara insatisfeito com o processo de escolha do procurador.

Como ficaram apenas Sandoval e a diretora Agnes da Costa, a reunião foi suspensa por falta de quórum.

O cargo de procurador-geral federal é estratégico nas agências reguladoras. Quem senta na cadeira deve coordenar um assessoramento jurídico imparcial nas divergências que envolvem milhões de reais, não raro bilhões, entre consumidores, empresas e o Estado. Por ser cargo técnico, as trocas de seus titulares ocorrem sem alarde.

A escolha desse profissional cabe à AGU (Advocacia-geral da União), que tem autonomia legal para escolher quem quiser, sem consultar a cúpula das agências.

Ex-diretores da Aneel consultados pela reportagem contam que o diretor-geral da agência até pode comentar a mudança na procuradoria em sinal de cortesia aos colegas, mas que não é obrigado a abrir uma discussão sobre esse tema.

Na divergência em curso, o atual procurador-chefe da Aneel, Luiz Eduardo Diniz Araújo, decidiu sair. Pretende atuar na iniciativa privada. Araújo comunicou a intenção para Sandoval e para a AGU.

Segundo a Folha apurou, o próprio advogado-geral da União, Jorge Messias, fez a escolha do novo procurador. Escalou Paulo Firmeza, que atuou como procurador na Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações). Sandoval foi chamado a AGU para tratar da questão na volta de suas férias, e os trâmites para a troca foram iniciados.

Os relatos na AGU são de que há muita tensão na Aneel, com uma disputa entre dois grupos, e que o melhor para a agência é um nome sem relação com nenhuma das partes. Ela comunicou oficialmente a escolha ao MME. Cabe à pasta enviar o nome para Casa Civil, que dá o aval definitivo para o nome.

Quem acompanha esse inédito confronto na Aneel tem a leitura de que as divergências por vagas no setor de energia não vão parar por aí, e lembram outra disputa recente, que também surpreendeu.

Em abril, ocorreu pressão na mudança de cargos na CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), organismo privado que fecha as transações financeiras no setor. Integrantes do MME entraram em contato com dirigentes das empresas associadas pedindo mudanças de última hora. Uma candidata considerada favorita teve de renunciar para acomodar a indicação de Efrain da Cruz.

Disputas por cargos ainda travaram escolhas na EPE (Empresa de Pesquisa Energética), responsável pelos estudos que embasam o planejamento energético, balizando a necessidade de investimentos em diferentes fontes.

Já se espera emoção na seleção de indicados para outro organismo técnico, o ONS (Operador Nacional do Sistema), responsável pela coordenação o fluxo de energia e do abastecimento no sistema elétrico em nível nacional.

Executivos do setor de energia que preferem não ter o nome citado também vislumbram que podem ocorrer outros embates envolvendo postos na Aneel. Há discussões para que Hélvio Guerre deixe a diretoria para ocupar o comando da PPSA (Pré-Sal Petróleo S.A.). A estatal está sendo estruturada pelo MME para organizar o setor de gás, dentro do programa Gás para Empregar.

A manifestação dos três diretores também foi vista como uma ofensiva para esquentar a fritura do próprio Sandoval, na tentativa de forçar a sua saída, o que abriria vaga para o principal cargo da agência. Ele tem mandato até agosto de 2027, mas o TCU (Tribunal de Contas da União) avalia antecipar a troca de diretores-gerais de um grupo de agências —e uma delas é a Aneel.

Para entender por que integrantes do setor interpretam a discussão como um movimento político maior também é preciso ter em mente o processo de indicação para as diretorias nas agências.

Apesar de os escolhidos terem experiência técnica, serem sabatinados no Senado e nomeados pelo presidente da República, cada um tem um padrinho, que pode ser um partido ou mesmo um político.

A cúpula da Aneel conta com cinco integrantes —o diretor-geral e quatro diretores.

A única mulher, Agnes da Costa, foi sugerida pelo ex-ministro Bento Albuquerque. Hélvio Guerra é um nome do MDB, mas também teve apoio de Bento. Em outros momentos, já apoiou decisões de Mosna e Tili.

O diretor-geral Sandoval Feitosa é de longa data um outro nome do MDB, mas chegou ao posto máximo da Aneel indicado por um conterrâneo, o senador Ciro Nogueira (PP-PI), então ministro da Casa Civil do governo de Jair Bolsonaro. Ambos são do Piauí.

O posto de diretor-geral foi disputado por Efrain da Cruz. Ele foi diretor na Aneel de gosto de 2018 a agosto de 2022. Quando perdeu a disputa pelo cargo máximo na cúpula, não pode prolongar a permanência na agência.

Efrain era o indicado do senador Marcos Rogério (PL-RO). Como o senador perdeu a queda de braço para o então ministro, pode escolher dois diretores de uma vez só para a Aneel: Fernando Mosna, que era assessor do senador, e Ricardo Tili, que é próximo de Efrain.

Com a mudança de governo, Efrain foi alçado a secretário-executivo do MME. Nome associado a defesa do gás, ele também ganhou assento como conselheiro na Petrobras.

Por Alexa Salomão