Apagão afeta 30 milhões, e governo vê 2 falhas no sistema
Só Roraima não foi afetado por problema que durou seis horas; ministro promete acionar Polícia Federal e Abin
16/08/2023

Valor Econômico - O apagão que afetou quase todos os Estados e cerca de 30 milhões de pessoas foi causado por duas falhas simultâneas no sistema. Uma delas foi a sobrecarga em uma linha de transmissão no Ceará e outra ainda estava em investigação até a noite desta terça-feira. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, informou em entrevista à imprensa que as autoridades do setor ainda apuram os detalhes sobre o que causou o incidente e prometeu divulgar um relatório técnico em 48 horas.

Silveira não descartou a possibilidade de que a interrupção tenha sido causada intecionalmente e disse que acionaria a Polícia Federal (PF) e a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para que os órgãos investiguem o episódio.

O blecaute ocorreu por volta das 8h30m e atingiu 25 Estados, além do Distrito Federal - somente Roraima não foi afetado. O sistema só voltou a operar dentro da normalidade seis horas depois, às 14h49m, após as falhas terem sido contornadas.

O incidente ocorreu enquanto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estava no Paraguai, onde participou da posse de Santiago Peña, novo presidente do país vizinho. Silveira, que acompanhava a comitiva presidencial, antecipou o retorno a Brasília, onde o MME criou uma sala de situação para acompanhar os desdobramentos do episódio.

O vice-presidente Geraldo Alckmin, que estava no exercício da Presidência no momento em que a falha ocorreu, avaliou que houve uma “ação rápida” dos órgãos envolvidos para restabelecer o fornecimento de energia no país.

Autoridades avaliaram que o problema não foi causado por uma questão estrutural. Em entrevista à imprensa, Silveira afirmou que o sistema brasileiro é robusto e frisou que os reservatórios estão cheios, ao descartar que não há risco de desabastecimento e criticou a gestão passada, do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, durante a qual o passou por uma crise hídrica e foi preciso acionar usinas térmicas - mais caras e poluentes - para suprir a demanda por energia.

No fim da manhã, quando partes do país ainda estavam sem luz, o diretor geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Sandoval Feitosa, defendeu que o setor elétrico conta com sistema de “transmissão sofisticado” com diversos agentes que atuam ainda nos segmentos de geração e distribuição de energia elétrica.

Em outra frente, técnicos do Ministério da Fazenda também descartaram, nos bastidores, a possibilidade de que o episódio se transforme em uma crise com efeitos sobre a atividade econômica. “[O problema] me pareceu ser descrito como algo episódico e não estrutural da rede", diz.

Em seu último Boletim MacroFiscal, divulgado na segunda quinzena de julho, a Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Fazenda afirmava que a indústria de produção e distribuição de energia e gás surpreendeu “positivamente no primeiro trimestre, garantindo um carregamento estatístico alto para o restante do ano”, de 4%.

Embora as causas do blecaute ainda estejam sendo investigadas, o governo não descarta a possibilidade de dolo - ou seja, que o episódio tenha sido provocado intencionalmente.

Segundo Silveira, um dos indícios de que possa ter havido uma ação intencional é o horário em que o blecaute ocorreu, no início da manhã. Esse é um momento do dia com menor demanda por energia, o que diminui o risco de operação da rede. O pico de consumo ocorre geralmente na parte da tarde, quando há aumento de temperatura e os aparelhos de ar-condicionado são ligados em grande quantidade.

“Não há insinuação, o que há são critérios [para pedir a investigação]”, disse Silveira. “Não descartamos a possibilidade de dolo”, pontuou.

De acordo com ele, acontecimentos como o de ontem são raros e só acontecem quando há mais de uma intercorrência de grande magnitude no sistema.

Segundo fontes, o pedido de investigação ainda não chegou à PF, mas a expectativa é de que isso ocorra em breve. O pedido de apuração deve ser feito por meio do Ministério da Justiça, acionado pelo MME para tocar a apuração do incidente.

O episódio fez integrantes do governo retomarem as críticas à privatização da Eletrobras. Segundo Silveira, o processo de capitalização da empresa fez “muito mal ao sistema”. Ele afirmou, no entanto, que seria leviano estabelecer relação de causa e efeito entre a desestatização e o episódio.

Apesar das críticas, o ministro não informou se a linha de transmissão onde a falha foi identificada era operada pela companhia. Ele sinalizou que poderia mencionar o nome da empresa responsável pelo equipamento, mas preferiu aguardar o relatório do Operador Nacional do Sistema (ONS).

“A privatização da Eletrobras fez muito mal ao sistema. Os brasileiros perderam muito com essa privatização”, disse o ministro

A declaração ecoou comentário da primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, que lembrou em suas redes sociais que a privatização da Eletrobras havia sido concluída no ano passado, em uma referência indireta ao blecaute.

A privatização da Eletrobras, realizada no governo passado, foi vista por analistas como uma operação necessária para elevar a capacidade de investimento da companhia. A operação, no entanto, é alvo de críticas do presidente Lula e aliados desde as eleições presidenciais no ano passado.

Em maio, a Advocacia-Geral da União (AGU) entrou com um processo no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando trechos da privatização, principalmente o mecanismo que permite à União votar apenas com 10% das ações, apesar de o governo federal deter cerca de 43% do poder acionário da empresa.

As críticas ocorreram um dia após a renúncia de Wilson Ferreira do cargo de diretor-presidente da Eletrobras. Silveira disse que tomou conhecimento da notícia pela imprensa, o que, segundo ele, denota o distanciamento entre o governo e o conselho de administração da companhia.

Por Rafael Bitencourt, Murillo Camarotto e Estevão Taiar