Falta governança no setor elétrico, dizem especialistas
Para especialista, características do apagão indicam uma relação com linhas de longa distância, que conectam regiões do país
16/08/2023

Valor Econômico - A falta de informações claras sobre as causas do apagão e o protagonismo do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, em uma entrevista coletiva que deveria ser técnica para explicar as causas do apagão são um sinal de que há falta de governança e liderança no setor elétrico, cuja complexidade técnica e importância requerem transparência, dizem fontes a par do tema, que falaram ao Valor na condição de anonimato.

O desligamento ocorrido na manhã da terça (15), que retirou quase 20 gigawatts (GW) de carga do sistema elétrico, teria sido causado “por uma contingência no Ceará” e uma segunda falha, num ponto não revelado pelo ministro, que participou da entrevista.

O diretor-geral da Agência Nacional da Energia Elétrica (Aneel), Sandoval Feitosa, e o secretário de planejamento e desenvolvimento energético do MME, Thiago Barral, participaram da entrevista, mas não se manifestaram, contrariando uma prática comum em blecautes de grandes dimensões.

Um dos questionamentos é a demora em restabelecer totalmente a energia seis horas após o início do blecaute, que afetou todos os Estados, em maior ou menor grau, exceto Roraima, que não está conectado à rede nacional.

Para uma fonte do setor elétrico, causou surpresa que uma questão técnica tenha sido respondida de forma política, o que abre espaço para aparelhamento das autoridades responsáveis pelo funcionamento do setor elétrico.

Para essa fonte, as características do apagão indicam uma relação com linhas de longa distância, que conectam regiões do país, como um dos bipolos de Belo Monte. Uma linha transporta a energia do Xingu até Araraquara (SP), e outra, até a região de Resende (RJ). Essas linhas têm alta capacidade de transmissão, e em tecnologia de corrente contínua.

“Uma falha no Ceará não derruba um sistema inteiro", disse a fonte, para quem o apagão tem sinais de que foi causado por falha operacional, seja humana, seja de equipamento.

Outro especialista afirmou que esse tipo de problema tende a ter relação direta com falha humana. Isso porque, segundo a fonte, a hidrelétrica de Belo Monte está operando com baixa geração por causa do período seco. A fonte considerou estranho uma carga de 16 GW levar tanto tempo para ser restabelecida (seis horas), sendo que os reservatórios estão cheios e há flexibilidade para o sistema.

Em entrevista ao Valor, o diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico, Luiz Carlos Ciocchi, destacou que a hidrelétrica opera apenas com uma turbina, por causa do período seco, de modo que seria muito difícil a usina causar uma falha dessa magnitude. Nenhuma hipótese está sendo descartada neste momento, segundo Ciocchi (veja reportagem nesta página).

Silveira chegou a responsabilizar a privatização da Eletrobras como um dos motivos do apagão. No entanto, os bipolos de Belo Monte, até agora os principais suspeitos do desligamento, têm controle distinto. A chinesa State Grid controla a Belo Monte Transmissora de Energia, com 51%, dividindo o restante do ativo com Furnas e Eletronorte, e a Xingu - Rio Transmissora de Energia, com 100% de participação.

O ministro também não descartou que tenha havido sabotagem na operação e disse que acionará a Polícia Federal e a Agência Brasileira de Investigação (Abin) para apurar as causas do blecaute. No início do ano, torres de transmissão foram derrubadas em várias partes do país, como parte dos atos antidemocráticos após a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para presidente.

Em 2009, uma falha na operação do sistema de transmissão que escoa a energia de Itaipu deixou mais da metade do país às escuras. Uma das três linhas entrou em curto-circuito e saiu do sistema elétrico. Porém, uma segunda linha estava desligada, causando sobrecarga na terceira linha restante, que se desconectou do sistema elétrico, após atuação da proteção.

Em 2018, um apagão semelhante deixou cerca de 70 milhões de pessoas sem energia, por causa de uma falha em linha de transmissão que conecta Belo Monte ao sistema. Em novembro de 2021, um incêndio em uma subestação deixou quase todos os municípios do Amapá no escuro por 20 dias.