Eletrobras aprova incorporação de Furnas em assembleia de acionistas. Entenda o que muda nas empresas
Ministro do STF derrubou decisões que haviam impedido realização de assembleia geral extraordinária
14/01/2024

O Globo - 11.01.2024 | A Eletrobras aprovou, em assembleia geral extraordinária de acionistas (AGE) realizada nesta quinta-feiram, a incorporação de Furnas. Com isso, a gestão operacional de usinas de geração de eletricidade, como hidrelétricas, e de linhas de transmissão, responderá diretamente à diretoria da Eletrobras, em mais um passo na privatização da companhia de energia elétrica.

A assembleia ocorreu logo após o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), atender a um pedido apresentado pela empresa e cassar duas decisões que haviam suspendido a realização da AGE.

Moraes determinou a cassação de duas decisões, uma do Tribunal Regional do Trabalho (TRT-1) da 1ª Região e outra do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) — a segunda já havia sido revertida antes mesmo da avaliação do STF.

As ações foram movidas pela Associação dos Empregados de Furnas (Asef), e as decisões judiciais mostram que ainda há resistência ao processo de privatização. A AGE estava prevista para ocorrer em 29 de dezembro, mas as duas decisões questionadas haviam suspendido a realização por 90 dias.

Moraes considerou que as liminares haviam desrespeitado a lei que autorizou a privatização da Eletrobras, sancionada em 2021. Em 2022, o governo se desfez do controle em uma operação na Bolsa que envolveu a emissão de novas ações. A companhia se tornou uma corporação sem controle definido. A União seguiu como acionista, mas não controla mais a empresa.

A incorporação faz parte do plano estratégico da Eletrobras e tem oposição do governo, incluindo o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. Desde o início do mandato do presidente Lula, em janeiro de 2023, o governo tem questionado a redução de seu poder de influência na Eletrobras.

Após a aprovação pela AGE, a Eletrobras informou que "a incorporação ocorrerá na data a ser definida pelo Conselho de Administração. "A incorporação de Furnas representa marco importante à reorganização societária da Eletrobras e simplificação de sua estrutura conforme previsto no Plano Estratégico", diz um comunidade divulgado ao mercado pela empresa.

O que significa a decisão?
Atualmente, Furnas é uma subsidiária da Eletrobras. A holding tem 100% do controle da subsidiária, que possui diretoria própria e opera as usinas e linhas de transmissão. Segundo a Eletrobras, a incorporação trará aumento de eficiência, qualidade, segurança operacional e elevação dos investimentos no setor.

Na prática, a incorporação de Furnas à holding vai redesenhar a estrutura das duas empresas, eliminando cargos e funções redundantes. A intenção anunciada pela Eletrobras é aumentar sinergias, reduzindo custos, e deixar a tomada de decisão mais ágil, mas alguns especialistas temem que haja perda de qualidade técnica na operação.

Para Edvaldo Santana, professor aposentado da Universidade Federal de Santa Catarina (Ufsc) e ex-diretor da Agência Nacional de Energa Elétrica (Aneel), a justificativa da Eletrobras para defender a incorporação tem embasamento técnico. Isso porque gestão deve se organizar entre o controle geral na sede e o trabalho operacional, no campo, que, necessariamente, fica nos locais onde estão as usinas de geração ou as estações das linhas de transmissão.

– Furnas, desde a criação, tem sede no Rio. As usinas estão todas fora do Rio, em Minas, Goiás e outros locais. A empresa nunca teve ativos fixos no Rio, com exceção de uma ou outra linha de transmissão – disse Santana.

Com a incorporação, o lógico é que nada mude do ponto de vista técnico operacional, completou o ex-diretor da Aneel. Gestores operacionais que estão em campo deixarão de se reportar a uma diretoria de Furnas sediada no Rio e passarão a se reportar diretamente à diretoria da Eletrobras, reduzindo um escalão na burocracia.

– O gestor das usinas deverá seguir mais próximo das operações, a tendência é que sigam havendo superintendências locais. Só que em vez de responderem a um diretor de operações de Furnas, agora vão responder a um diretor de operações da Eletrobras – completou Santana.

A incorporação feita pela Eletrobras não é inédita. Outras mudanças na estrutura da ex-estatal foram feitas ainda antes da privatização. A CGTEE, de geração de energia a carvão, por exemplo, foi para a Eletrosul. A Amazonas GT, com ativos de transmissão e geração, passou para a Eletronorte. Eletrosul e Eletronorte são outras subsidiárias da Eletrobras. Segundo Santana, o caso de Furnas serve de modelo para as demais subsidiárias da Eletrobras, como Eletrosul e Eletronorte.

Por que Furnas importa?
Como subsidiária da Eletrobras, Furnas tem operações em geração, transmissão e comercialização de energia elétrica em 15 estados do país, além do Distrito Federal. Entre seus ativos estão mais de 20 usinas hidrelétricas.

A empresa totaliza 13,7 mil megawatts (MW) de capacidade instalada de geração, respondendo por cerca de 31% dos 43,8 mil MW de capacidade de geração da Eletrobras. Na transmissão, Furnas detém 25,7 mil quilômetros de extensão de linhas, 35% da malha total da sua controladora, de 73,4 mil quilômetros de extensão.

Como estatal, Furnas também era um alvo importante de ingerência política, lembrou Santana, ex-diretor da Aneel. Ao adicionar mais escalões na organização corporativa do sistema Eletrobras, as subsidiárias garantem um número maior de cargos que podem ser objeto de indicação de políticos.

A lógica regional das subsidiárias levava a ingerência até mesmo à política local – prefeitos e parlamentares de cada estado tinham por hábito indicar dirigentes das subsidiárias da Eletrobras em seus redutos eleitorais. Agora, com a privatização, tudo isso deveria ficar para trás, lembrou Santana.

Operação em risco, alerta especialista
Crítica da privatização da Eletrobras, Clarice Ferraz, professora da UFRJ e diretora do Instituto Ilumina, que se dedica a debater o setor elétrico, alerta que a incorporação de Furnas poderá ter efeitos negativos para a operação e, portanto, para a segurança do abastecimento de eletricidade.

Na visão da especialista, por trás do argumento de que a reestruturação organizacional busca maior eficiência, está a intenção de fazer cortes de pessoal para melhorar os resultados financeiros da companhia. O risco é que os cortes levem, além de cargos burocráticos que eventualmente sejam redundantes, técnicos operacionais com larga experiência.

– É basicamente uma operação financeira em detrimento da segurança do abastecimento. Quando a Eletrobras faz esse movimento, quer pretexto para mandar mais gente embora – afirmou Clarice, acrescentando que outro risco é que haja redução nos investimentos em laboratórios.

A diretora do Instituto Ilumina também teme que a lógica regional e local da operação seja comprometida com a incorporação. Segundo Clarice, isso é essencial para a segurança da operação e para a integração do sistema elétrico. O risco seria haver mais incidentes que levem a interrupções no fornecimento de eletricidade.

Conciliação em disputa
Com a mudança de orientação do governo federal, desde 2023, há atualmente uma disputa entre o governo e a direção atual da Eletrobras. O Executivo argumenta que o modelo de desestatização da companhia limitou o poder decisório da União, que detém 42,6% das ações da empresa, e recorreu ao STF para aumentar sua participação.

Em dezembro, o ministro do STF Nunes Marques determinou que a União e a Eletrobras tentem resolver o impasse por meio de uma conciliação, com prazo de negociação de 90 dias.

Por Daniel Gullino e Vinicius Neder