Lula deve vetar ‘jabutis’ em projeto que regula eólicas em alto-mar
Editorial - Não faz sentido incentivar uso de combustíveis fósseis num texto destinado a estimular energia limpa
18/12/2024

O Globo - 14.12.2024 | O projeto aprovado na quinta-feira pelo Senado regulamentando a instalação de usinas eólicas em alto-mar (offshore) embute, sob o disfarce de uma iniciativa verde, incentivos a usinas a carvão mineral e a gás, nocivas ao meio ambiente. Os deputados enxertaram no texto trechos que nada têm a ver com o projeto original — ou “jabutis” —, destinados a atender a lobbies, que encarecerão a conta de luz paga por todos os consumidores.

O ponto mais controverso é a prorrogação da contratação de geração de energia a carvão, a pior emissora de gases de efeito estufa. O projeto obriga a contratação até 2050 de termelétricas a carvão e exige que funcionem até 70% dos dias do ano. Pela legislação atual, a obrigatoriedade só vai até 2028, e elas só funcionariam até 2040. A proposta ainda autoriza novas usinas a carvão. E prevê também a contratação compulsória de térmicas a gás, outra grande emissora de gases. Apesar das críticas, a maior parte da base governista deu aval aos “jabutis”.

Também é descabida a previsão de contratação compulsória de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs). Hoje, ela está condicionada ao crescimento da demanda, de acordo com o consumo de energia no país. Pela proposta aprovada, haverá contratação de 4,9 GW mesmo não havendo necessidade. Trata-se de uma distorção no funcionamento do mercado que encarece a energia.

O projeto determina ainda a extensão dos contratos do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), hoje condicionada à avaliação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e à redução do preço dos contratos. A proposta retirou a necessidade de avaliação da Aneel e atenuou a redução dos novos preços. Com o barateamento de painéis solares e usinas eólicas, as energias alternativas há muito já deveriam operar sem subsídios.

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Na prática, as mudanças significarão aumento na conta de luz. As alterações na legislação terão impacto de até R$ 440 bilhões em subsídios até 2050, nos cálculos das associações do setor. A consultoria PSR estima alta de 7,5% nas contas.

O texto aprovado no Senado segue agora para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que precisa vetar os “jabutis”. Não se questiona a necessidade de regular a implantação das eólicas offshore. Mas a proposta foi de tal forma contaminada por interesses alheios aos objetivos originais que se transformou num projeto nocivo. É desejável que o Brasil amplie suas fontes de energia limpa, mas é um contrassenso incentivar combustíveis fósseis. Nada mais inoportuno do que prorrogar subsídios num setor onde já não são mais necessários, encarecendo a conta de luz para moradores, indústria e comércio, bem num momento em que o país tenta domar a inflação. O projeto não é bom para o meio ambiente e não é bom para os consumidores, que no fim pagarão a conta do desatino.

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