MP do setor elétrico prevê luz grátis para 60 milhões de pessoas
Em meio à tentativa do Palácio do Planalto de melhorar a popularidade do presidente, texto propõe ampliação do programa de Tarifa Social ao custo de R$ 3,6 bilhões
05/06/2025

Valor Econômico – 22.05.2025 | O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou na quarta-feira (21) a medida provisória (MP) que reforma o setor elétrico. Entre outros pontos, o texto amplia o alcance do programa Tarifa Social e prevê gratuidade na conta de luz para cerca de 60 milhões de pessoas – iniciativa de apelo popular editada em um momento em que o Palácio do Planalto busca formas de melhorar a popularidade da gestão petista.

O texto foi publicado na quarta à noite em edição extra do “Diário Oficial da União” (DOU) e já está em vigor. No entanto, boa parte das mudanças só vai valer daqui a 45 dias. A medida segue para análise do Congresso, onde precisa ser ratificado em até 120 dias para se tornar lei. Nesse período, pode ser modificada, rejeitada ou perder a validade, caso não seja apreciada.

A MP foi fechada em versão mais modesta do que vinha sendo esperado por agentes econômicos – com maior redução de subsídios, por exemplo. O texto prevê corte de subsídios em novos contratos para o consumo por fontes incentivadas (como eólica, solar e pequenas hidrelétricas). No entanto, mantém a maior parte dos repasses que hoje pesam na conta de luz.

Em outras frentes, o texto prevê ainda reequilíbrio no pagamento de encargos entre consumidores de diferentes portes e abertura total do mercado livre – segmento onde consumidores escolhem de quem comprar energia – até dezembro de 2028.

A nova regra do Tarifa Social – que entra em vigor em 45 dias – garante conta de luz grátis para pessoas de famílias com renda per capita de meio salário mínimo e consumo mensal de até 80 quilowatts-hora (kWh) pelo programa. Esse grupo inclui 60 milhões de consumidores. A medida terá custo de R$ 3,6 bilhões.

A MP também garante a isenção no pagamento do encargo CDE para as famílias faixa de renda entre meio e um salário mínimo e consumo até 120 kWh por mês, o que corresponde a 55 milhões de pessoas.

Assim, 115 milhões de pessoas serão beneficiadas pela gratuidade ou pelos descontos parciais, estima o governo. Os benefícios serão pagos pelos demais consumidores.

Após o anúncio da assinatura da MP, os ministros de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e da Casa Civil, Rui Costa, responderam às críticas de que, sem aporte do Tesouro para bancar a Tarifa Social, o aumento de custo previsto recairá sobre a classe média.

Costa defendeu que a mudança na forma de rateio dos encargos entre os consumidores e o aumento da competição no mercado livre vão baixar o custo da energia no médio e longo prazo no país.

Já Silveira explicou que só o consumidor do mercado regulado – com fornecimento garantido pelas distribuidoras – paga pelo custo das usinas nucleares Angra 1 e 2. Com a reforma do setor, todos, disse ele, deverão arcar com essa despesa. Mudanças semelhantes também serão feitas na forma de dividir os custos entre os consumidores com o encargo CDE e a despesa com o benefício oferecido a quem gera a própria energia na modalidade de geração distribuída (GD).

Edvaldo Santana, ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e colunista do Valor, é um dos principais críticos da subsídios mantidos no setor elétrico brasileiro. Ele considera que o subsídio à GD está sendo realocado, mas não reduzido.

“No ano passado, foram quase R$ 10 bilhões de subsídio para a GD. Só quem tem é o consumidor rico [classe média alta e acima]. O pobre não tem GD e tem pagando subsídio aos ricos”, disse Santana. Já a cobrança de R$ 3,6 bilhões para financiar a nova Tarifa Social é justa e praticamente não impactará a fatura, avalia.

Na abertura do mercado livre, o governo decidiu contemplar os demais consumidores da indústria e comércio no meio do ano de 2026 e abrir totalmente em dezembro de 2027, garantido acesso de consumidores residências e comércio de pequeno porte.

Para o coordenador-geral do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel-UFRJ), professor Nivalde de Castro, o governo se preocupou em “definir datas” para abertura do mercado, mas “sem definir critérios”. “Isso exigiria muito cuidado para que comercializadoras de fundo de quinta apareçam para dar golpe nos consumidores que saírem do mercado regulador”, afirmou.

Já o presidente da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), Rodrigo Ferreira, considera que a proposta apresentada deve garantir uma “abertura equilibrada”. Ele cita que está prevista a figura do “supridor de última instância”, o tratamento à escalada de subsídios e o cuidado com a “exposição involuntárias” das distribuidoras.

Joisa Dutra, ex-diretora da Aneel e diretora do Centro de Regulação em Infraestrutura da Fundação Getulio Vargas (FGV Ceri), alerta que a abertura do mercado não pode ser considerada a “bala de prata” para os problemas do setor. “Não acredito em medidas que não venham acompanhadas de ganhos de eficiência e alocação de riscos. Transferir o custo da ineficiência de um agente para o outro não resolve”, disse ela, ao se referir ao tratamento dado aos subsídios na MP.

Por Rafael Bitencourt e Sofia Aguiar

Link da publicação original: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2025/05/22/mp-do-setor-eletrico-preve-luz-gratis-para-60-milhoes-de-pessoas.ghtml